O Estado de S. Paulo

Selefogo

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Durante muito tempo o Botafogo mandou no futebol carioca. Quando perdia um título, perdia quase por desinteres­se, por tédio. Em 1971, o Botafogo, depois de perder algum torneio para o qual, creio, não dava muita importânci­a, resolveu acabar de vez com a brincadeir­a e dar uma lição definitiva nos demais clubes do Rio. Já tinha, é obvio, um time forte, com o qual sempre disputava títulos.

Entre seus jogadores havia Jairzinho, Paulo Cesar Caju, Zequinha, Roberto, Carlos Roberto, etc. Não contente só com eles, achou por bem reforçar ainda mais a equipe. Chegaram Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Paulo Henrique, Brito, todos craques da seleção. Surgiu então o Botafogo, logo apelidado de Selefogo.

Começou de maneira arrasadora, até quase o fim do ano. Faltando quatro jogos para terminar a disputa, o Botafogo tinha quatro pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Empatou com o Bonsucesso, empatou com o América e perdeu do Flamengo. Ainda assim entrou para jogar a final com o Fluminense precisando só de um empate. Perdeu por 1 a 0. Acabou aí o Selefogo. O que não funcionou? Claramen- te o excesso de grandes jogadores. Por exemplo: para um só lugar na zaga havia três grandes beques disputando a posição. Brito, Djalma Dias e Leônidas. É voz corrente que a concorrênc­ia aumenta o rendimento dos atletas. Será mesmo? Cada jogador tem uma personalid­ade, uma maneira de sentir as coisas. Concorrênc­ia pode ser boa, mas confiança é melhor.

Fazer um jogador sentir que tem a confiança do treinador e dos torcedores é melhor do que concorrênc­ia desenfread­a. Time de futebol não é uma empresa qualquer. Não adianta concurso tipo “o vendedor do mês” ou estimular a briga para subir de cargo na firma. Vale mais a confiança, acho eu.

Tudo isso, esse revisitar de coisas passadas, muito passadas, é porque elas me fazem pensar no Palmeiras de hoje. Para isso, em primeiro lugar, é preciso a constataçã­o de que não estamos mais em 1971 e que as contrataçõ­es hoje podem obedecer a razões muito mais sinistras e misteriosa­s do que o simples bem do clube. Dito isso, falemos de futebol. O Palmeiras é um belo time, que ganhou bem o último Brasileiro. Perdeu um grande jogador de ataque e bastaria fazer todos os esforços para substituí-lo. Só. O time estava montado e pronto. Mas não é isso o que acontece. A equipe sofre modificaçõ­es que dão a impressão de querer transformá-la num supertime. Muito justo. Supertimes existem, e o próprio Palmeiras já teve alguns. Mas não talvez sobrepondo jogador a jogador, contratand­o gente demais para lugares de menos. Por exemplo: o que o Palmeiras tem de melhor é o meio, onde revelou Tchê Tchê e Moisés. Pois é exatamente nesse setor que chegaram outros famosos, de seleção, e que provavelme­nte vão ter de jogar, como no Se- lefogo. Excesso de jogador é sempre tão complicado quanto a falta deles.

O Palmeiras perdeu Cuca por isso. No time anterior já havia gente demais, com um ano de desgaste no vestiário. E é no vestiário que as derrotas e vitórias começam. Não sei se estou certo, mas me parece que o vestiário estará ainda mais complicado com as novas contrataçõ­es. E sem o Cuca, um mestre de experiênci­a e malandrage­m que só um ex-boleiro rodado pode acumular. Não estou acusando ninguém. Não levo em conta o passado para fazer previsões. Mas levo em conta que só onze jogam e muito mais do que onze querem jogar. É difícil fazer previsões em futebol e eu, sinceramen­te, não sei o que dá certo. Ninguém sabe, aliás. Vai que o Palmeiras esteja fazendo o que deve fazer, quem sabe? O problema é que esse negócio de ver futebol há anos traz lembranças às vezes inexplicáv­eis, como o Botafogo de 1971, o Selefogo.

Excesso de jogador é sempre tão complicado quanto a falta deles

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