O Estado de S. Paulo

Trump na terra de Oz

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Nada mais incerto do que vai s e p a s s a r c o m Donal d Trump na presidênci­a dos EUA, mas não se fala de outra coisa. O assunto desperta paixões, e por bons motivos.

Primeirame­nte, vale lembrar que a cena política é dominada por dois partidos cujas semelhança­s predominam sobre suas divergênci­as. É preciso recuar mais de um século para encontrar a presença relevante de um terceiro partido – justamente o Partido Populista, cujo apogeu se deu em 1896, quando esteve perto de vencer a eleição presidenci­al.

O candidato populista de então, William Jennings Bryan, do alto de seus 36 anos, ganhou a convenção dos Democratas com um discurso arrebatado­r atacando Wall Street e também o padrão ouro (o equivalent­e da época à globalizaç­ão), com isso vencendo o presidente da República, Grover Cleveland, que buscava concorrer à reeleição. Em seguida, Bryan perdeu por pouco para o republican­o William McKinley: a estranha coalizão democrata-populista, centrada nos pequenos fazendeiro­s do Kansas, mas que também incluía papelistas, sindicalis­tas, proibicion­istas, sufragista­s e progressis­tas de toda ordem, venceu em 22 estados, enquanto McKinley ganhou 23 (271 a 176 no colégio eleitoral). No voto popular, McKinley fez 7,1 milhões contra 6,5 milhões de Bryan.

O embate se repete, ainda que mais morno, na eleição de 1900, quando McKinley vence com mais facilidade. As duas eleições foram objeto de sátira em O Mágico de Oz, onde Bryan, co- nhecido como o “Leão de Nebraska” face à sua oratória truculenta e inflamada, e atacado pelos republican­os pelas posições não intervenci­onistas em política externa, foi retratado pelo Leão Covarde. O Lenhador de Lata era o eleitorado urbano, o Espantalho os fazendeiro­s e Dorothy a América, inocente e encantador­a, querendo voltar apenas para o Kansas. Eles marcharam juntos nas duas eleições, usando os sapatos de prata na estrada de tijolos de ouro, mas o sistema, ou seja, o Mágico os enredou de várias formas: foi a derrota das pessoas comuns.

Entretanto, McKinley foi assassinad­o por um anarquista em 1901 e substituíd­o por Theodore Roosevelt, de 42 anos, um dos mais dinâmicos e admirados presidente­s americanos, e uma espécie de retrato do que ficou conhecido como a era progressis­ta. Foi como se populismo tivesse sido deglutido pelos grandes partidos.

Jamais o populismo voltou a se apre- sentar nesses termos na política americana, embora sua sombra pareça sempre presente em eleições descritas como de realinhame­nto. Foi assim no caso das eleições de 1932, vencidas por Franklin Delano Roosevelt, quando se forma o “New Deal”. No início, todavia, Roosevelt era quase um ortodoxo, mas uma ameaça populista em seu partido, de nome Huey Long, governador de Louisiana, e possível concorrent­e, foi o fator que o levou a uma guinada distributi­vista e a uma vitória consagrado­ra em 1936.

Outra eleição de realinhame­nto é a de Ronald Reagan em 1980, refletindo a fadiga ou o esgotament­o do keynesiani­smo herdeiro do New Deal. Novas ideias pró-mercado confrontar­am o establishm­ent industrial e sindical que crescera durante os anos do New Deal, sobretudo via competição estrangeir­a (moeda valorizada) e a imigração. A postura hostil com relação à União Soviética, que se dissolve no final da década, consagra Reagan, mas republican­os nacionalis­tas, como Ross Perot e Pat Buchanan, foram vozes dissidente­s pela direita e boas prévias do fenômeno Trump.

A crise de 2008 pode ser vista como resultante de excessos desse neoliberal­ismo, e deveria conduzir a outro realinhame­nto, mas não foi bem isso o que se passou com Barack Obama, que não confrontou Wall Street, nem trouxe alento para a classe média americana vitimada pela globalizaç­ão. Ventos populistas se observam pela esquerda, com Bernie Sanders, e pela direita, com Trump, ambos reencarnan­do Bryan, e o resultado é um presidente eleito por conta de uma retórica estridente, em aberto desafio ao politicame­nte correto, propenso a um menor envolvimen­to em encrencas internacio­nais, protecioni­sta e contrário aos grandes tratados comerciais, à imigração e ao offshoring pelas multinacio­nais americanas.

O leão, o lenhador e o espantalho desta vez conquistar­am Oz. Bryan está no poder, para o horror do establishm­ent. Como o Mágico vai absorver as novas demandas, esta é a grande questão.

Trump desafia o politicame­nte correto, é protecioni­sta e contrário à imigração

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