O Estado de S. Paulo

Ninguém pode ser feliz por muito tempo sendo algo que não é

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Eele conseguiu. Não é fácil fazer a viagem de Sting, um perigoso caminho que parte do núcleo de sua célula tronco em direção à imprevisib­ilidade do Cosmos. A paixão de Sting pela música sinfônica já o seduzia à época do Police, mas poucos poderiam esperar um distanciam­ento tão longevo. Sting já estava longe de si, do Sting clássico, quando lançou, em 2003, sua última experiênci­a na linguagem mais pop dos últi- mos 14 anos. Sacred Love é bonito, com todos os climas e as camas que gosta de armar para sua voz flutuante, segurando notas como se fosse um teclado, mas dizia que as coisas estavam mudando.

Três anos depois, mais vinte passos adiante. A viagem agora era com o barroco Songs from the Labyrinth, com obras do compositor John Dowland (1563-1626) e participaç­ão do instrument­ista bósnio Edin Karamazov. Mais uma vez, um álbum brilhante, de construçõe­s melódicas comoventes e movimentaç­ão surpreende­nte no universo erudito por um roqueiro. 2009, outra ruptura. If On A Winter’s Night soou como um passeio pela paisagem gelada, uma manhã silenciosa sobre a neve, uma trilha de cinema. Mais belezas da alma e nenhuma intenção pop. O Sting do Police, aparenteme­nte, estava enterrado.

Symphonici­ties, de 2010, foi o primeiro respirar do passado. Os sucessos de sua banda banham o disco, mas manter suas novas descoberta­s parecem uma questão de honra. Músicas como Roxanne e Every Little Thing She Does is Magic chegam engomadas para o concerto. Os anos 80 poderiam até existir, desde que não fossem apenas os anos 80.

Cedo ou tarde, o rock coloca cabeças inquietas no divã. Meu tempo dos ruídos se foi, não posso morrer fazendo três acordes, meus amigos evoluíram e eu continuo aqui. A maior vitória de 57th & 9th é a de provar que a evolução pode andar também na con- tramão da linha do tempo. Sting faz um belo disco ao desafiar o próprio ego retornando aos tempos não apenas de Sting, mas de Sting de Police.

Há uma boa dose de despudor sinfônico para se fazer algo radiofônic­o como I Can’t Stop Thinking About You e um tanto de resignação pop para se chegar ao resultado das guitarras da introdução de 50.000. A questão é essa. O fracasso não está na intenção pop, mas na intenção de ser para a vida toda algo que não é. Sting é formado por material genético roqueiro, não poderia viver feliz no mundo camerístic­o. Sua passagem por ele mostrou a elasticida­de de um talento gigantesco, mas nada faz o coração bater tão forte quanto ouvi-lo empunhando um contrabaix­o.

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