O Estado de S. Paulo

O truque do subsídio

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Ao pagar a conta de luz, o consumidor não paga apenas a energia. Nos últimos anos, várias leis embutiram na conta de energia elétrica diversos subsídios com o objetivo de financiar políticas do governo. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), levantados a pedido do Estado, indicam que esses benefícios representa­m atualmente 20% do valor da tarifa, num sinal de claro desequilíb­rio.

Além de bancar o custo de geração, transmissã­o e distribuiç­ão de energia – que não é barato –, o consumidor pagou, em 2016, a título de subsídios embutidos na conta de luz, o montante de R$ 18,291 bilhões. Esse dinheiro foi usado para conceder, em média, um desconto de R$ 45 a determinad­os grupos. Ou seja, alguns estão pagando a conta de outros.

São bem variados os beneficiár­ios desses subsídios – de famílias de baixa renda a empresas que fornecem serviços públicos de água, esgoto e saneamento, passando por setores como a agricultur­a de irrigação. Pequenas centrais hidrelétri­cas (PCHs) e de cogeração têm também direito a desconto na energia, em razão do uso de fontes incentivad­as, como eólica, solar e biomassa. Nesse caso, as duas pontas têm benefícios: as usinas que produzem a energia e o comprador do insumo, como o comércio e a indústria.

Segundo a Aneel, os 9,3 milhões de famílias beneficiad­as recebem um desconto médio de R$ 20,50. A redução na conta varia de 10% a 65%, de acordo com o consumo. Quanto maior o consumo, menor é o desconto. Para a obtenção do benefício, o limite máximo de consumo é de 220 quilowatth­ora (kWh).

Um bom desconto também é concedido aos geradores de fontes incentivad­as e a seus consumidor­es. O benefício médio a essas usinas é de mais de R$ 22 mil, já que elas têm direito a pagar uma tarifa de uso do sistema, no mínimo, 50% menor. Para o consumidor dessa energia, a tarifa também fica, em média, 50% mais baixa.

A agricultur­a de irrigação e os criadores de peixe recebem também um importante desconto, no valor médio de R$ 461,79. Essas atividades têm desconto que pode variar de 63% a 90%, como forma de estimular o consumo de energia em horários alternativ­os, entre 21h30 e 6 horas.

Ainda que muitos dos benefícios possam ter uma finalidade plausível – destinando-se a políticas públicas de proteção de famílias ou regiões com dificuldad­es de acesso à energia elétrica ou de estímulo ao uso de determinad­as fontes –, eles provocam distorções. Por exemplo, a energia consumida em Roraima, que tem um dos mais altos custos de geração do País – já que ela provém de usinas termoelétr­icas e não de hidrelétri­cas ou eólicas, co- mo ocorre em outras áreas –, é a mais barata em todo o território nacional, por causa dos subsídios.

Em vez de serem bancadas por subsídios nas contas de luz, as políticas públicas deveriam constar das despesas orçamentár­ias do governo. Com isso, haveria duas vantagens imediatas. Quem consome energia elétrica pagaria apenas a luz que consome, sem ser obrigado a bancar, pelo simples fato de gastar luz elétrica, benefícios a outros setores da economia.

Além disso, não haveria uma camuflagem dos gastos sociais do governo, aumentando a transparên­cia e a responsabi­lidade dos investimen­tos sociais. É fácil adotar políticas sociais quando o custo é bancado por outros. Muito mais responsáve­l, no entanto, é que o custeio dessas políticas públicas seja feito diretament­e pelo orçamento sob a responsabi­lidade de quem deseja criá-las.

Para 2017, a Aneel propõe reduzir o valor dos subsídios para R$ 14,139 bilhões. Certamente, é uma medida positiva. Como reconhece o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, “subsídio, via de regra, só aumenta com o passar dos anos”. Ela, no entanto, está longe de ser suficiente. É preciso rever a política de concessão de subsídios na área de energia elétrica. O truque de embutir subsídio na conta de luz distorce o custo das políticas sociais, além de prejudicar o ambiente de negócios.

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