O Estado de S. Paulo

Oposição zonza

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Se o presidente Michel Temer tiver alguma dificuldad­e para aprovar as reformas que julga necessária­s para resolver os graves problemas do País, não será em razão da força da oposição. A eleição para a Mesa Diretora da Câmara, realizada ontem, deixou explícito o estado de atordoamen­to dos principais partidos oposicioni­stas, o PT e o PCdoB.

O caso do PT é o mais conhecido. Como se sabe, os caciques do partido haviam decidido apoiar a candidatur­a de Rodrigo Maia (DEM-RJ), embora os petistas vinculem esse parlamenta­r ao “golpe” que, segundo eles, derrubou a presidente Dilma Rousseff. O voto em Maia, conforme argumentou a direção do partido, garantiria ao PT espaço na Mesa Diretora, algo considerad­o fundamenta­l ante a perspectiv­a real de definhamen­to da legenda – já sinalizado nas eleições municipais do ano passado e que provavelme­nte se confirmará nas eleições de 2018. A pressão da militância e dos petistas “de raiz”, no entanto, levou a bancada do PT na Câmara a declarar apoio à candidatur­a de André Figueiredo (PDT-CE). Foi um “gesto de unidade das forças de oposição”, segundo o líder petista na Câmara, Carlos Zarattini (SP).

O falatório sobre “unidade”, contudo, não resiste aos fatos. Enquanto ziguezague­ava em busca de um discurso minima- mente coerente, o PT perdia o pouco que restava de sua liderança entre os partidos de oposição. Agora, está claro que cada uma dessas legendas vai trilhar caminho próprio – e, nesse salve-se quem puder, prevalecem os i nt e r e s s e s paroquiais, numa fragmentaç­ão que tende a facilitar o trabalho do governo no Congresso.

O caso do PCdoB é exemplar. O partido formalment­e integrou, junto com PT e com PDT, o bloco que bancou a candidatur­a do pedetista André Figueiredo à presidênci­a da Câmara. Mas às vésperas da votação a liderança dos comunistas avisou que eles votariam em Rodrigo Maia. Só assim o partido, segundo esse raciocínio, estaria em “melhores condições para enfrentar as contrarref­ormas neoliberai­s”. Para arrematar, os dirigentes do PCdoB assinalara­m que “a prática revolucion­ária ensina que êxitos, mesmo que modestos, em duras circunstân­cias que emergem de grandes derrotas, não podem ser menospreza­dos”.

Por t r á s d o d i s c u r s o d e quem se diz “na trincheira da resistênci­a” está o fato de que o PCdoB nutre simpatia por Rodrigo Maia desde que este ajudou a derrubar, em uma das tentativas de reforma política, a introdução de uma cláusula de barreira que, na prática, liquidaria aquela pequena legenda. A sobrevivên­cia, portanto, está em primeiro lugar na lista de preocupaçõ­es do PCdoB, razão pela qual os deputados do partido abraçaram publicamen­te a candidatur­a de Maia, a despeito da identifica­ção deste com o tal “golpe” contra Dilma Rousseff.

O resultado da desorienta­ção dos partidos de oposição considerad­os “ideológico­s” ficou claro na votação que elegeu Rodrigo Maia. André Figueiredo, o candidato supostamen­te apoiado por PT, PCdoB e PDT, teve apenas 59 votos, embora as bancadas daqueles partidos disponham, juntas, de 98 deputados. Ou seja, 39 parlamenta­res – entre eles certamente alguns petistas, pois comunistas e pedetistas somam 30 deputados – ignoraram a formação do bloco que deveria marcar posição contra os “golpistas” no Congresso. No Twitter, o ex-governador gaúcho Tarso Genro deu o tom da contraried­ade que reina entre os petistas mais radicais: “Se alguém do PT votar nesse cara ( Rodrigo Maia) e não for expulso, é porque o PT não tem cura mesmo”.

Assim, a eleição de Maia para a presidênci­a da Câmara evidenciou a desunião e a desfiguraç­ão dos partidos defenestra­dos do poder com o impeachmen­t de Dilma Rousseff, ocupados agora somente em encontrar meios de manter a cabeça acima da linha d’água. Com o esvaziamen­to progressiv­o da campanha de denúncia do “golpe”, que vinha servindo de bote salva-vidas depois do naufrágio do lulopetism­o, a tigrada terá muita dificuldad­e para encontrar algum rumo.

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