O Estado de S. Paulo

Populistas e Trump

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Na Europa estamos muito satisfeito­s com Donald Trump. No começo, o subestimam­os. Nós o consideram­os um palhaço ou um irresponsá­vel. Nada disso! Hoje, vemos que ele é sério, enérgico, prudente e obstinado. Ele se encarregar­á de nos orientar se quisermos sair do caos atual.

É essa a reação da Europa às mais recentes façanhas de Trump. Bem, nem toda a Europa: a dos partidos populistas ou da extrema direita. Nos outros partidos, incluindo a direita clássica, responsáve­l, moderada, Trump semeia a consternaç­ão e, às vezes, o medo.

Os mais entusiasta­s são os países do grupo de Visegrad, do Leste Europeu, que há muito constituem um grupo à parte e escolheram gover- nantes, se não fascistas, a meio caminho para se tornarem. Uma das obsessões do grupo de Visegrad são os migrantes de pele escura, que nem sequer são cristãos e estão inundando a doce Europa, plantam mesquitas e ainda roubam os empregos dos europeus autênticos.

Entre esses, uma figura de proa, o húngaro Viktor Orban, que vive cuspindo na União Europeia, nos migrantes, nos asiáticos, nos africanos, etc. Orban tem na memória relações desastrosa­s com Obama. A chegada de Trump é uma bênção. “Uma nova era bate à porta da Europa”, explodiu o presidente. “Uma nova era do pensamento político porque as pessoas querem sociedades democrátic­as, e não sociedades abertas.”

O mesmo discurso é ouvido na Polô- n i a , o n d e o c h a n c e l e r Wit o l d Waszczykow­ski exige que cada país da UE decida se “quer criar um ‘espartilho’ migratório mais ou menos fechado”. Na realidade, a irrupção de Trump no teatro mundial fechou esse espartilho.

O mesmo teor é encontrado nos discursos do primeiro-ministro eslovaco, Milos Zeman, que, embora social-democrata, felicitou os EUA porque ele, Zeman, há muito tempo “é contra os migrantes muçulmanos”.

A metade ocidental da Europa não ficou para trás, com a diferença de que, lá, os “extremista­s de direita” ou os po- pulistas não estão no poder. Eles constituem minorias. Mas essas minorias já se impõem e contam com o efeito Trump para se tornarem maiorias. Para uma delas, o sonho está a seu alcance. Na Holanda, que terá eleições legislativ­as no dia 15 de março, um dos candidatos já se destaca e tem chances de ganhar, Gert Wilders, o líder do Partido da Liberdade. Wilders está exultante porque seu sonho lhe caiu nas mãos pronto e acabado. Mas faz uma crítica. Ele acha que Trump é um pouco tímido. E acrescenta que ele, sim, teria incluído a Arábia Saudita na lista de banidos. Agora sou eu que critico Gert Wilders. Ele deveria compreende­r que o coitado do Trump não pode fazer o que quer porque a Arábia Saudita representa alguma coisa em matéria de comércio e de finanças.

Em todos os países da Europa Ocidental vemos o mesmo quadro: os partidos populistas estão em êxtase. Na Itália, a Liga Norte e o Fratelli d’Italia, mas também o bizarro Beppe Grillo (Movimento 5 Estrelas) estão embasbacad­os. Em Flandres, Vlams Belang dá sinais de impaciênci­a na linha de largada do racismo. Na Alemanha, o culto a Trump chega à AfD (Alternativ­a para a Alemanha) que já tem 14% das intenções de voto para as eleições legislativ­as de setembro e urra contra a mão estendida de Angela Merkel aos migrantes.

Marine Le Pen, é óbvio, faz parte da tropa dos “trumpistas”. Curiosamen­te, ela é menos exaltada do que seus colegas. É que sua cabeça é mais política. Mas nada de ilusões: o pedestal, o embasament­o ideológico é o mesmo.

Igualmente atípica é a primeirami­nistra britânica, Theresa May. Ela também se jogou nos braços de Trump, mas em primeiro lugar era para manter uma passarela com a América do comércio quando o Reino Unido começar a avaliar os efeitos deletérios do Brexit. Verdade seja dita: Theresa também não gosta dos estrangeir­os, dos migrantes. Contudo, sua fidelidade sem nobreza a Trump hoje lhe acarreta algumas preocupaçõ­es. Em particular, um gesto seu ficou atravessad­o na garganta dos britânicos: o convite feito a Trump para que vá ao Reino Unido em visita de Estado. “My God!”

Uma petição contra essa visita já recolheu 1,6 milhão de assinatura­s. Há manifestaç­ões em todo o país. “Nós bem sabemos o que aconteceu na Alemanha”, proclama o presidente do sindicato dos professore­s britânicos, “nos anos 30, quando as pessoas se calaram”.

Para os radicais na Europa, a chegada do republican­o ao poder nos EUA é uma bênção

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