O Estado de S. Paulo

Pai pega 10 anos por mandar matar filha, mas sai livre

Juíza do ‘Crime do Papai Noel’ destacou bons antecedent­es; para vítima, que sobreviveu a três tiros, mesmo assim ‘a Justiça foi feita’

- Felipe Resk

Mais de 15 anos após o crime, o empresário Renato Grembecki Archilla, de 58 anos, foi condenado ontem pelo Tribunal do Júri a 10 anos, 10 meses e 20 dias de prisão em regime fechado por encomendar o assassinat­o da própria filha, a publicitár­ia Renata Guimarães Archilla, em dezembro de 2001, no chamado “Crime do Papai Noel”. O réu, no entanto, vai recorrer em liberdade e saiu pelos fundos do Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

Por 6 votos a 1, o Conselho de Sentença decidiu que Archilla é culpado por tentativa de homicídio duplamente qualificad­o (motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima), além da agravante de ser pai da vítima. Na sentença, a juíza Débora Faitarone, da 1.ª Vara do Júri, também indeferiu o pedido de prisão. “O crime ocorreu há 16 anos. O réu é primário. De bons antecedent­es. Possui ocupação lícita e residência fixa. Não se furtou, em nenhum momento, à aplicação da lei penal”, diz a decisão.

O advogado de defesa Rodrigo Senzi apelou da sentença. “A decisão dos jurados contraria as provas dos autos”, afirma. Já o assistente de acusação, o advogado Marcial de Hollanda Filho, diz que vai recorrer da pena fixada pela juíza. “O autor do disparo, sem agravante de ser o pai, pegou 13 anos”, justifica. Em 2008, Archilla chegou a passar cerca de dois meses preso, mas foi solto após pedido de habeas corpus.

O julgamento, que durou dois dias, foi marcado pelo depoimento de Renata, de 37 anos, vítima que sobreviveu a três disparos de arma de fogo, dois deles no rosto, em um semáforo na região do Morumbi, na zona sul da capital, no dia 17 de dezembro de 2001. Na época, ela tinha 22. Emocionada, chorou ao menos sete vezes ao falar para os jurados. “Eu vou poder virar a página da minha vida e ser feliz com a minha família”, disse a publicitár­ia, que hoje é casada e tem dois filhos.

Com um terço sempre nas mãos, Renata assistiu ontem da plateia à fase de debates entre acusação e defesa. Só saiu do plenário nas vezes em que o advogado Rodrigo Senzi tentou desconstru­ir a versão apresentad­a pela vítima. Já durante a fala do promotor Felipe Zilberman parecia querer endossar a acusação, levantando o terço à altura dos olhos e rezando.

No dia anterior, Renata acompanhou o interrogat­ório do pai,

Sofrimento mas do lado de fora do plenário. Encostada na porta, ouviu o réu declarar inocência. “Nunca faria isso com a minha filha”, disse Archilla. “Nunca vi uma filha querer o mal do pai, como ela quer o meu.” Na saída do Fórum, após a leitura da sentença, Renata chorou mais uma vez. “A Justiça foi feita.”

Julgamento. Na fase de debates, o Ministério Público de São Paulo (MPE) apresentou como principal prova de acusação uma agenda telefônica do policial militar José Benedito da Silva, já condenado por ser o autor dos disparos contra Renata. Nela, constava o telefone da fazenda do avô da publicitár­ia, morto no ano passado, que também era acusado de ser mandante do crime. Também havia o número de outro PM que trabalhou como segurança da propriedad­e, segundo provas apresentad­as nos autos. “Foi uma monstruosi­dade cometida por um assassino a mando de outro”, disse Zilberman.

A promotoria explorou as dificuldad­es que Renata enfrentou para ter a paternidad­e reconhecid­a por Archilla, em uma ação judicial travada por 12 anos. Para os jurados, Zilberman também usou aspectos religiosos: citou a Bíblia, disse que “Deus está vendo tudo isso” e Renata foi salva pelo “anjo da guarda” – a mãe dela, que morreu de câncer antes do atentado. “Não foi a primeira tentativa de por fim à vida de Renata. Quando ela ainda estava no ventre materno, ele ( Archilla) pressionou por aborto.”

Por sua vez, a defesa do réu acusou a promotoria de tentar fazer um julgamento moral. “Não é o caráter do Renato que está em julgamento. Ele é acusado de crime grave, uma tentati- va de homicídio, que não cometeu”, afirmou Senzi. Ao júri, disse ainda que não havia elementos que ligassem o autor dos disparos ao pai de Renata.

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SERGIO CASTRO/ESTADÃO - 1/2/2017 Julgamento. Renata chorou após a sentença; em nenhum momento, ela encontrou o pai

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