O Estado de S. Paulo

MORADORES ENCONTRAM JIBOIA RARA NO INTERIOR

Parceria entre cientistas e comunidade rural ajuda em busca de mais de seis décadas

- Herton Escobar

Pesquisado­res do Museu de Zoologia da Universida­de de São Paulo (USP) e do Instituto Butantã encontrara­m no Vale do Ribeira uma espécie de cobra raríssima, nunca observada na natureza e há mais de 60 anos era procurada intensamen­te por cientistas na Mata Atlântica paulista.

Considerad­a a jiboia mais rara do mundo, a Corallus cropanii foi descrita em 1953 pelo herpetólog­o Alphonse Richard Hoge, do Instituto Butantã, com base em um único exemplar, trazido vivo até ele por um morador da cidade de Miracatu. Depois, outros cinco chegaram ao instituto, mas todos mortos — um deles registrado só por foto; e outro até enterrado, depois de morto por uma senhora.

Muitos pesquisado­res vasculhara­m as matas do Vale do Ribeira atrás da espécie nas últimas décadas, mas nunca a encontrara­m. Como nunca foi observada na natureza, não se sabe quase nada sobre o seu comportame­nto — o que come, se é predominan­temente terrestre, aquática ou arborícola, etc.

Pela anatomia, é da família das jiboias, mas nesse grupo há desde pequenas serpentes que comem pássaros em árvores até gigantes aquáticos que comem capivaras, como a sucuri.

Agora, esse mistério da herpetolog­ia pode chegar ao fim, graças à parceria entre pesquisado­res e moradores do Guapiruvu, bairro rural do município de Se- Observação (a jiboia) te Barras, no Vale do Ribeira.

Por um trabalho de educação ambiental, iniciado em outubro, cientistas ensinaram os moradores a identifica­r as cobras da região — diferencia­ndo venenosas e inofensiva­s — e a reconhecer a Corallus cropanii, batizada de “Jiboia do Ribeira”.

Cartazes e panfletos distribuíd­os pela comunidade davam informaçõe­s sobre a espécie e pediam para entrar em contato com o biólogo Bruno Rocha caso o bicho aparecesse. E foi exatamente o que houve; mais rápido do que se imaginava.

Descoberta. No dia 21, Rocha recebeu a ligação que esperava. Dois jovens da comunidade, André Bezerra e Paulo Vinícius Teixeira, toparam com uma Corallus cropanii atravessan­do a estrada de terra, quando iam para o trabalho no campo. Usando técnicas que aprenderam com o pesquisado­r, capturaram o animal e ligaram para Rocha.

“Quando cheguei e vi que era ela mesmo, viva e linda, fiquei emocionado”, diz Rocha, de 33 anos, pesquisado­r do Museu de Zoologia e coordenado­r de projeto dedicado à conservaçã­o da espécie. “Estava em um balde, e o pessoal em volta com nosso panfleto na mão, comparando o bicho com as fotos.”

De cor amarelada, puxando para laranja próximo da boca, com escamas bem definidas e losangos pretos pelo corpo, o exemplar é um macho, de 1,70 metro de compriment­o e 1,5 quilo. Não é venenoso, e pode-se inferir que mata presas por constrição (esmagament­o).

O único jeito de saber com certeza é observar o bicho na natureza. Para isso, a estratégia é implantar um radiotrans­missor na cobra e colocá-la de volta na mata.

E Rocha, agora, quer transforma­r os rapazes que acharam a cobra em seus auxiliares de pesquisa. “Vou inventar uma nova profissão para eles: protetor de cropanii.”

 ?? LÍVIA CORRÊA/INSTITUTO BUTANTÃ ?? Desconheci­da. Com 1,70 metro de compriment­o, cobra capturada não é venenosa
LÍVIA CORRÊA/INSTITUTO BUTANTÃ Desconheci­da. Com 1,70 metro de compriment­o, cobra capturada não é venenosa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil