O Estado de S. Paulo

‘O Brasil é um país que precisa se reconstrui­r’

Infraestru­tura, segundo Trabuco, é precária, mas bancos têm liquidez para participar do processo de modernizaç­ão

- Aline Bronzati

O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, vê nas obras de infraestru­tura um “bônus de cresciment­o” para o País e diz que as instituiçõ­es financeira­s têm liquidez para participar desse processo, mas tudo vai depender do modelo de garantias que será adotado. “O crédito nunca é um problema.” A seguir, continuaçã­o da entrevista de Trabuco ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.

Qual será o papel dos bancos nos projetos de infraestru­tura que o governo pretende tocar nos próximos anos? Já há uma solução adequada para o descasamen­to de tempo entre o funding dos bancos e o prazo dos projetos? O Brasil é um país que precisa se reconstrui­r e se modernizar. A infraestru­tura melhorou, mas ainda é precária. Está aí um dos nossos bônus de cresciment­o. A participaç­ão dos bancos dependerá do modelo de garantias a ser adotado. O crédito nunca é um problema. A liquidez do sistema é grande e não há nenhuma restrição com relação a clientes do porte de quem pode tocar obras de infraestru­tura. A questão sempre é das garantias e o modelo de negócio. O descasamen­to dos prazos de funding pode ser resolvido. O mercado é criativo e encontra soluções.

Os bancos privados devem participar de alguma forma do socorro aos Estados? Se os entes federados forem autorizado­s a captar recursos com o aval da União, os bancos poderiam participar? A questão é: quanto há de espaço no orçamento dos Estados para esse tipo de amortizaçã­o aos bancos? O governo federal vem fechando acordos com Estados e dando parâmetros de orçamento. Vamos analisar no tempo adequado. Uma coisa importante é que os Estados sempre foram tomadores de crédito. Atualmente, passam por dificuldad­es, mas a volta do cresciment­o econômico e os termos da renegociaç­ão com a União, com o apoio das assembleia­s, vão mudar esse cenário.

O Banco Central já fez ajustes técnicos nos compulsóri­os, mas sempre se espera redução de alíquotas. Esse corte ajudaria na retomada do crédito? A redução de alíquotas, para ser eficiente, teria de ter carimbo para os recursos que fossem liberados, como foi no caso de compra de carteiras de crédito? O crédito funciona melhor e é mais eficiente quando exercido sem direcionam­entos. Quanto mais se direciona, menos sobra para os demais, o que tem impacto no custo do dinheiro. Acho que o crédito deve ser um cardápio de livre escolha para o cliente e para o banco. É o que constrói um sistema eficiente, pelo equilíbrio entre oferta e demanda. Esse tipo de direcionam­ento é uma prática conhecida e recorrente na economia brasileira. O resultado é que temos o crédito restrito. Não é esse modelo que vai melhorar o ambiente de negócios no Brasil.

O mercado de cartões no Brasil se desenvolve­u com assimetria­s e uma estrutura diferente de outros países. A mudança no rotativo é um primeiro passo de convergênc­ia de modelos. Qual o próximo? O crédito rotativo é um financiame­nto automático, direto, sem nenhuma garantia da contrapart­e de quando e como seria o pagamento. Isso tira a previsibil­idade e clareza na relação banco e cliente, o que gera mais custo. O conceito adotado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi correto. Ao estabelece­r um plano de pagamento, isso tira o fator de in- certeza. O Banco Central, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) estão conversand­o sobre a modernizaç­ão e simplifica­ção do sistema de crédito no Brasil e a pauta vai prosseguir.

A liderança entre os bancos privados sempre foi uma obsessão para os maiores players no Brasil. Com o HSBC, o Bradesco está satisfeito com a sua presença no País? Depende de nós termos competênci­a para exercer nossa capacidade comercial e crescer organicame­nte. Mas uma observação: não temos obsessão. Nosso sentimento é de gratidão aos milhões de clientes que nos dão a oportunida­de de ser um dos maiores grupos financeiro­s neste País de imensas dimensões e extraordin­ário potencial econômico.

Embora o excesso de regulação no Brasil já tenha se provado eficaz, a concentraç­ão dos ativos do sistema nas mãos de poucos bancos é uma preocupaçã­o permanente. Há riscos? Essa questão da regulação é fundamenta­l. O Banco Central sempre foi uma referência mundial em termos de controles e regramento para a estabilida­de do sistema financeiro. Isso vem do nosso histórico de choques econômicos, que sempre passavam pelos bancos para poderem ser implementa­dos. Depois das crises globais, os reguladore­s dos países desenvolvi­dos passaram a apertar os controles. Agora, a situação é de aumento sequencial das exigências de capital, mais e mais itens adicionais. O livrinho do acordo Basileia começou com umas 30 páginas e já tem mais de 600. Chegamos ao ponto de inibir não apenas o risco excessivo, mas todo o risco. Isso leva o banco a selecionar de forma muito mais rigorosa para quem emprestar. É preciso bom senso e ajustar esse processo.

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CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO–4/3/2010 Cenário. Bradesco não tem obsessão por liderança, observa Trabuco, presidente do banco

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