O Estado de S. Paulo

Faltou prudência

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Homens públicos, especialme­nte os que desempenha­m funções que podem mudar a vida dos cidadãos, devem se pautar sempre pela prudência ao se manifestar. Ao contrário das pessoas comuns, cuja opinião, isoladamen­te, não tem quase nenhum efeito sobre as decisões de maior impacto para o País, esses homens públicos não podem expor o que pensam sem antes pesar cuidadosam­ente suas palavras, pois estas, de uma forma ou de outra, terão peso no debate nacional – e uma opinião exposta de forma inconseque­nte pode ajudar a distorcer esse debate, levando a conclusões deletérias para o País. Assim, causou espanto a ligeireza com que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso tratou recentemen­te da questão da legalizaçã­o do uso de drogas.

Em uma conversa com jornalista­s no dia 1.º passado, Barroso disse que a crise no sistema penitenciá­rio enseja “agudamente” a discussão sobre as drogas, pois a atual política de repressão ao narcotráfi­co acaba por colocar nas cadeias jovens “que não são perigosos” e que, segundo seu raciocínio, ali se tornarão verdadeiro­s criminosos. O ministro sugeriu então que se fizesse uma experiênci­a, legalizand­o primeiro a produção, a distribuiç­ão e o consumo de maconha, taxando o produto como se faz com o cigarro.

“A primeira etapa, ao meu ver, deve ser a descrimina­lização da maconha. Mas não é descrimina­lizar o consumo pessoal, é mais profundo do que isso. A gente deve legalizar a maconha”, perorou Barroso, como se estivesse em uma mesa de bar. “Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidad­e”, continuou ele, seguro de que descobriu a fórmula mágica para acabar, de uma vez por to- das, com essa terrível chaga mundial. A certeza é tanta que Barroso foi além: “Se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo”.

A impropried­ade da afirmação do ministro do STF, que deveria se limitar a se pronunciar nos autos dos processos que julga, só não é maior do que sua afetada ingenuidad­e. Qualquer um minimament­e informado sabe que não basta legalizar uma ou outra droga para “quebrar o tráfico”. Mesmo que todas as drogas fossem legalizada­s o tráfico não acabaria, pela simples razão de que a regulament­ação do comércio de drogas forçaria a criação de um mercado paralelo, em que os entorpecen­tes seriam vendidos por preços mais baixos. É o que acontece, por exemplo, com a indústria do tabaco, que enfrenta o contraband­o de cigarros, que hoje representa 30% do mercado nacional.

É ocioso, contudo, opor argumen- tos racionais às alegações de Barroso, porque se trata de uma falsa questão. O consumo de entorpecen­tes já está, na prática, descrimina­lizado, a julgar pelo que vai na Lei Antidrogas (11.343/06). A questão, para Barroso, é a prisão dos que ele chama de “pequenos traficante­s”. Segundo o ministro, “um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedent­es, que são jogados no sistema penitenciá­rio”. São, diz ele, “pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem”. O ideal, portanto, seria “superar preconceit­os” e “lidar com o fato de que a guerra às drogas fracassou e agora temos dois problemas: a droga e as penitenciá­rias entupidas de gente que entra não sendo perigosa e sai perigosa”.

Ora, a seguir-se a lógica do ministro Barroso, a crise penitenciá­ria estará resolvida no dia em que nenhum jovem for conduzido à cadeia, seja por que crime for. Em vez de lutar para melhorar as prisões, basta que se rasguem os diplomas legais. A esse ponto chegou o ativismo que ora impregna os discursos e as atitudes de muitos hoje no Judiciário, a começar por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem justamente cabe guardar a Constituiç­ão, e não reinventá-la. Esquecese também o ministro que é o dinheiro que um jovem bem nascido dá ao inofensivo passador de “pacos” que paga a bala que matará uma mãe, um pai, uma criança. A esse ponto não chega a preocupaçã­o do cidadão que exerce seu sagrado direito de dar palpites.

Por fim, mas não menos importante, a questão das drogas não pode jamais ser tratada com leviandade. As cracolândi­as espalhadas pelas grandes cidades mostram os efeitos das drogas para quem quiser ver. Não é com inconsequê­ncia, travestida de humanismo, que esse problema será resolvido.

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