Em 2 semanas, Trump abala modelo que os EUA moldaram por 70 anos
A visão ultranacionalista e protecionista de Donald Trump, traduzida no lema “América em Primeiro Lugar”, ameaça a ordem liberal criada sob liderança dos EUA depois da 2.ª Guerra, que garantiu a hegemonia mundial americana, promoveu a globalização e evitou um novo conflito em escala global nos últimos 70 anos.
Durante a campanha e desde que assumiu a Casa Branca, há pouco mais de duas semanas, Trump atacou todos os pilares dessa arquitetura e hostilizou as alianças e instituições multilaterais que a sustentam. Sua defesa do protecionismo contraria os princípios de abertura de mercados e liberalização comercial que orientaram a atuação dos EUA nas últimas décadas, com enorme benefício para suas empresas, que demandaram acesso a mercados e segurança jurídica ao redor do mundo.
Trump questionou alianças cruciais para a estabilidade global, retirou os EUA da Parceria Transpacífico (TPP) e ameaça abandonar o Acordo de Paris sobre mudança climática assinado por quase 200 países.
A retórica de Trump também fragilizou o discurso de defesa da democracia, promoção de direitos humanos e respeito a liberdades individuais adotado pelos americanos na arena global – ainda que ele nem sempre se reflita na atuação do país ou na escolha de seu aliados.
O novo ocupante da Casa Branca defende a prática da tortura, ameaça a imprensa e parece ignorar preocupações relati- vas aos direitos humanos. Seu veto à entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana foi criticado como uma ameaça à liberdade religiosa, um valor que está na origem da identidade americana.
Mais do que qualquer outra instituição, a União Europeia (UE) é a maior vítima potencial do nacionalismo de Trump. O presidente americano é um crítico declarado do bloco e um entusiasta do Brexit e de líderes políticos populistas contrários à integração regional.
Durante a campanha, Trump criticou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e colocou em dúvida o compromisso dos EUA com a defesa dos aliados diante de eventuais Segurança agressões da Rússia.
A hostilidade de Trump chocou líderes europeus, que tentam definir uma resposta à potencial transformação da arquitetura mundial que o líder de Washington ameaça promover. Em carta enviada na terça-feira aos dirigentes dos 27 países que integram a UE, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, incluiu a nova administração americana entre as ameaças geopolíticas enfrentadas pelo bloco – ao lado da China, da Rússia e do terrorismo.
Professor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, Hal Brands acredita que Trump parte da premissa equivocada de que os americanos não se beneficiaram da ordem liberal internacional.
“Os EUA investiram na construção dessa arquitetura e dessas instituições depois da 2.ª Guerra porque concluíram que o país seria mais seguro e mais próspero em um amplo sistema internacional”, afirma Brands. “Desde 1945, os EUA não tive- ram de lutar uma grande guerra entre potências, e haviam lutado duas delas nos 30 anos anteriores. E o país experimentou uma enorme prosperidade em razão da globalização e do livrecomércio.”
Segundo ele, a criação da União Europeia é um elemento fundamental dessa ordem liberal e garantiu estabilidade em um continente antes marcado por conflitos. “É difícil colocar isso em perspectiva, mas os últimos 70 anos foram uma era dourada das relações internacionais. Não houve uma grande guerra, houve uma grande prosperidade econômica e a democracia e o respeito aos direitos humanos se expandiram como nunca”, diz. “Se houver retro-