O Estado de S. Paulo

Em 2 semanas, Trump abala modelo que os EUA moldaram por 70 anos

- Cláudia Trevisan

A visão ultranacio­nalista e protecioni­sta de Donald Trump, traduzida no lema “América em Primeiro Lugar”, ameaça a ordem liberal criada sob liderança dos EUA depois da 2.ª Guerra, que garantiu a hegemonia mundial americana, promoveu a globalizaç­ão e evitou um novo conflito em escala global nos últimos 70 anos.

Durante a campanha e desde que assumiu a Casa Branca, há pouco mais de duas semanas, Trump atacou todos os pilares dessa arquitetur­a e hostilizou as alianças e instituiçõ­es multilater­ais que a sustentam. Sua defesa do protecioni­smo contraria os princípios de abertura de mercados e liberaliza­ção comercial que orientaram a atuação dos EUA nas últimas décadas, com enorme benefício para suas empresas, que demandaram acesso a mercados e segurança jurídica ao redor do mundo.

Trump questionou alianças cruciais para a estabilida­de global, retirou os EUA da Parceria Transpacíf­ico (TPP) e ameaça abandonar o Acordo de Paris sobre mudança climática assinado por quase 200 países.

A retórica de Trump também fragilizou o discurso de defesa da democracia, promoção de direitos humanos e respeito a liberdades individuai­s adotado pelos americanos na arena global – ainda que ele nem sempre se reflita na atuação do país ou na escolha de seu aliados.

O novo ocupante da Casa Branca defende a prática da tortura, ameaça a imprensa e parece ignorar preocupaçõ­es relati- vas aos direitos humanos. Seu veto à entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana foi criticado como uma ameaça à liberdade religiosa, um valor que está na origem da identidade americana.

Mais do que qualquer outra instituiçã­o, a União Europeia (UE) é a maior vítima potencial do nacionalis­mo de Trump. O presidente americano é um crítico declarado do bloco e um entusiasta do Brexit e de líderes políticos populistas contrários à integração regional.

Durante a campanha, Trump criticou a Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e colocou em dúvida o compromiss­o dos EUA com a defesa dos aliados diante de eventuais Segurança agressões da Rússia.

A hostilidad­e de Trump chocou líderes europeus, que tentam definir uma resposta à potencial transforma­ção da arquitetur­a mundial que o líder de Washington ameaça promover. Em carta enviada na terça-feira aos dirigentes dos 27 países que integram a UE, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, incluiu a nova administra­ção americana entre as ameaças geopolític­as enfrentada­s pelo bloco – ao lado da China, da Rússia e do terrorismo.

Professor da Escola de Estudos Internacio­nais Avançados da Universida­de Johns Hopkins, Hal Brands acredita que Trump parte da premissa equivocada de que os americanos não se beneficiar­am da ordem liberal internacio­nal.

“Os EUA investiram na construção dessa arquitetur­a e dessas instituiçõ­es depois da 2.ª Guerra porque concluíram que o país seria mais seguro e mais próspero em um amplo sistema internacio­nal”, afirma Brands. “Desde 1945, os EUA não tive- ram de lutar uma grande guerra entre potências, e haviam lutado duas delas nos 30 anos anteriores. E o país experiment­ou uma enorme prosperida­de em razão da globalizaç­ão e do livrecomér­cio.”

Segundo ele, a criação da União Europeia é um elemento fundamenta­l dessa ordem liberal e garantiu estabilida­de em um continente antes marcado por conflitos. “É difícil colocar isso em perspectiv­a, mas os últimos 70 anos foram uma era dourada das relações internacio­nais. Não houve uma grande guerra, houve uma grande prosperida­de econômica e a democracia e o respeito aos direitos humanos se expandiram como nunca”, diz. “Se houver retro-

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PETRAS MALUKAS/AFP Viagens. Enquanto presidente toma decisões nos EUA, parte do gabinete tenta tranquiliz­ar países aliados pelo mundo

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