O Estado de S. Paulo

Presidente testa limites de poder e desafia instituiçõ­es

Casa Branca já trava batalhas nos tribunais e no Congresso americano, onde os republican­os são maioria

- Renata Tranches

Nas duas primeiras semanas na Casa Branca, Donald Trump testou os limites da presidênci­a e tomou decisões que acionaram as luzes de emergência sobre seu estilo de governar. As instituiçõ­es americanas, segundo juristas e analistas americanos, serão colocadas à prova, assim como o apoio popular que levou o magnata ao cargo. Entre os especialis­tas ouvidos pelo Estado, há temor de que o país esteja caminhando para um governo de viés autoritári­o.

Com um gabinete ainda em formação – até sexta-feira, dos 22 principais nomes que precisam da aprovação do Senado, apenas 6 foram confirmado­s –, Trump governa por decreto. Ele bateu o recorde de 14 decretos em apenas uma semana no cargo e, em duas semanas, foram 21, enquanto Barack Obama assinou 12 no mesmo período.

O que os especialis­tas alertam é para a forma como importante­s decisões são tomadas, sem consultar áreas especializ­a- das e com mudanças em altos cargos.

Um exemplo foi o veto à entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana. Segundo os advogados que questionam o governo, o decreto separa as pessoas afetadas por ele com base nas suas religiões, o que seria inconstitu­cional.

A decisão resultou na demis- são da secretária de Justiça interina, Sally Yates, que questionou sua legalidade. “Está cada vez mais difícil dizer que estamos em um período político normal constituci­onalmente, e isso me preocupa”, diz o professor da Escola de Direito da Universida­de da Califórnia, Jon Michaels.

Poderes. A decisão de Trump abriu uma batalha na Justiça, com vários Estados questionan­do sua validade. Para os especialis­tas, a tendência é que isso passe a ser frequente. “Temos um Judiciário muito forte. Tenho fé na sua habilidade de evitar que as coisas saiam completame­nte do controle”, afirma David Post, professor da Universida­de Columbia e responsáve­l pelo blog Volokh Conspiracy, do Washington Post.

O cientista político da Universida­de do Tennessee Richard Pacelle lembra que durante a campanha muitos americanos diziam acreditar que Trump não conseguiri­a colocar em prática suas promessas pelos limites da Constituiç­ão. “Elas estão descobrind­o que, na verdade, não é bem assim”, diz Pacelle. O especialis­ta explica que, da maneira como a Constituiç­ão foi concebida, o presidente tem um poder limitado em questões domésticas. Mas, em política externa, ele tem muito mais autoridade.

A atuação do Congresso, nos próximos meses, também provará os limites de Trump. “As coisas que ele fala sugerem que ele não entende a Constituiç­ão”, diz.

Para Michaels, há um temor de que o Congresso não exerça uma verificaçã­o rigorosa no tra- balho do presidente. “Seria o mesmo que dizer que nosso sistema de separação de poderes não está funcionand­o para coibi-lo”, argumenta o professor.

Para Pacelle, no entanto, o Congresso já age com esse objetivo. Ele lembra que muitos integrante­s do próprio Partido Republican­o demonstram resistênci­a a Trump desde a campanha.

A demora na aprovação do gabinete é um exemplo do descompass­o. “A maioria dos presidente­s americanos tem um período de lua de mel com os dois partidos, que tentam dar a ele uma chance de governar. Mas Trump está tentando ter uma lua de mel com seu próprio partido”, afirma Pacelle.

O fiel da balança será o apoio popular. O presidente continua com aprovação alta entre os que votaram nele – 90% segundo pesquisa da CNN de sextafeira. A mesma sondagem afirmou, porém, que sua reprovação no país bateu recorde de 53%. “Os últimos dez presidente­s levaram pelo menos 800 dias para alcançar essa reprovação. Trump levou apenas 8”, diz o cientista político.

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EVELYN HOCKSTEIN/THE WASHINGTON POST Interina. Secretária de Justiça Sally Yates foi demitida

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