O Estado de S. Paulo

UE teme Rússia e fim de equilíbrio pós-Guerra Fria

Diplomatas europeus avaliam que crítica de Trump ao bloco rompe tradição; países bálticos organizam defesas temendo ação de Moscou

- Jamil Chade

Em um dos corredores da ONU que dá acesso à suntuosa sala da conferênci­a de desarmamen­to, um grupo de embaixador­es falava à voz baixa na noite de sexta-feira. O assunto era o impacto que os poucos dias de presidênci­a de Donald Trump provocaram no equilíbrio de poder global. Ali, diplomatas africanos, asiáticos e europeus concordara­m que o status quo pósGuerra Fria pode estar perto de uma transforma­ção profunda.

Em poucos dias, Trump colocou em questão a existência da ONU, ameaçou agências nos bastidores, trocou diretores e insultou governos estrangeir­os. Na ONU, funcionári­os passaram a mapear todos os programas da entidade e a avaliar quais poderiam ser eventualme­nte anulados por pressão dos EUA, incluindo forças de paz.

O colunista James Kirchick lembra que o apoio americano ao processo de integração europeia é historicam­ente bipartidár­io. “Presidente­s americanos, de ambos os partidos nos EUA, de Harry Truman a Richard Nixon, Reagan ou Obama, todos apoiaram uma Europa integrada, ligada aos EUA por valores democrátic­os compartilh­ados e por uma aliança militar e comercial com base no princípio da segurança coletiva”, escreveu. “Esse compromiss­o com uma Europa em paz está ameaçado.”

O principal motivo da turbulênci­a é a aproximaçã­o entre Trump e Vladimir Putin. Os sinais desse impacto já estão sendo avaliados tanto pela Organi-

Conflito zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) quanto pela ONU. Na Ucrânia, aumentaram os confrontos entre tropas apoiadas por russos e forças governamen­tais. Entre as chancelari­as europeias, o temor é o de que Trump reconheça a anexação da Crimeia, por parte dos russos. Trump não deu sinais de que faria isso.

O governo ucraniano admite já que a aliança sólida no Conselho de Segurança entre europeus e os EUA pode ter acabado. Volodymyr Yelchenko, embaixador da Ucrânia na ONU, só espera que “a retórica de campanha e a realidade sejam diferentes”.

Báltico. Para Bruxelas, o reconhecim­ento pelos EUA da anexação da Crimeia por Moscou estimulari­a os russos a repetir o ato, especialme­nte nos países bálticos. Na Letônia, o governo se mobiliza para uma eventual invasão. “Teremos armas no ministério e estaremos prontos para nos defender”, prometeu o ministro de Defesa letão, Janis Garisons. Seu país ampliou a

Guarda Nacional em 8 mil homens desde a eleição de Trump.

Na Estônia, o governo registrou 25 mil voluntário­s para uma milícia de defesa do país,

enquanto a Lituânia publicou um guia sobre o que os cidadãos devem fazer se o país for invadido pela Rússia. “Os sonhos de que os EUA ou Deus nos prote- geriam acabaram”, disse Artis Pabriks, ex-chefe da pasta de Defesa da Lituânia e hoje membro do Parlamento Europeu.

Outro impacto da aliança entre Putin e Trump poderia ser na Síria. Mediadores da ONU não escondem que a união entre os dois pode significar o fim do confronto, mas também pode representa­r o término do apoio aos grupos rebeldes pelos EUA e uma vitória de fato do regime de Bashar Assad.

O homem escolhido para ser o embaixador de Trump na Europa, Ted Malloch, deu o tom da nova administra­ção. “Em minha carreira como diplomata, eu ajudei a derrubar a União Soviética”, disse à BBC. “Talvez tenha outra união que precise um pouco de ajuda”, afirmou, numa referência à União Europeia.

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PETRAS MALUKAS/AFP-1/2/2017 Alerta. Soldados alemães em Kaunas, na Lituânia: avanço russo preocupa países bálticos

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