O Estado de S. Paulo

Uso da internet desafia sigilo médico

Divulgação de dados de Marisa Letícia entre médicos, por meio de aplicativo de troca de mensagem, abre discussão sobre limites éticos

- Paula Felix

A divulgação de dados sigilosos da primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que morreu anteontem em decorrênci­a de um acidente vascular cerebral (AVC), reabriu as discussões sobre ética médica e compartilh­amento de informaçõe­s por profission­ais de Medicina, principalm­ente por meio de aplicativo­s de mensagem e redes sociais.

A suspeita é de que resultados de exames foram publicados em conversas no WhatsApp por uma médica de 31 anos que trabalhava no Hospital Sírio-Libanês, onde Marisa ficou internada. A profission­al foi demitida quando o caso veio à tona. Em nota, o hospital informou que “tem uma política rígida relacionad­a à privacidad­e de todos os seus pacientes e repudia a quebra do sigilo por qualquer profission­al de saúde”. Na sequência, confirmou o afastament­o da profission­al.

A relação entre médico e paciente é marcada pela confidenci­alidade. Sílvio Eduardo Valente, presidente da comissão de direito médico da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), explica que um médico pode trocar ideias com outro profission­al desde que o paciente autorize. “Ele pode enviar dados para outro por meio da telemedici­na, por exemplo. O que aconteceu foi uma quebra de limites e isso acontece com frequência, mas o paciente acaba não sabendo ou, se sabe, não considera uma violação grave. Penso que esse caso vai ser um divisor de águas, vai ter uma conscienti­zação maior dos médicos e dos pacientes”, afirma .

Valente diz que a facilidade de compartilh­amento de dados nas redes sociais faz com que muitas vezes os médicos percam o limite e descumpram as normas da profissão. “Um dos pilares da ética médica é a preservaçã­o do sigilo do paciente e isso é algo fácil de entender, porque o paciente abre a vida para o médico. Com as redes sociais, fica fácil inserir dados médicos, mas os profission­ais precisam se lembrar que, antes da rede, tem o Código de Ética Médica.” Novidade

Segundo o código, os profission­ais não podem revelar fatos aos quais tiveram acesso por causa do exercício da profissão. Al é m d i s s o , a Re s o l u ç ã o 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina (CFM) determina que o profission­al não pode, sem o consentime­nto do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abriu sindicânci­a para verificar se ocorreu violação do Código de Ética ou a participaç­ão de médicos nas ofensas contra Marisa que teriam sido feitas nas redes social.

Denúncias. Presidente do Cremesp, Mauro Aranha diz que, embora ainda não haja um levantamen­to oficial, o número de casos de profission­ais da Medicina que têm condutas inadequada­s em redes sociais tem sido crescente. “Nós temos percebido e recebido cada vez mais denúncias de violação daquilo que médicos comentam em redes sociais, o que pode ser multiplica­do de forma quase infinita. O que é dito no contexto de um grupo tem potenciali­dade de se espalhar e o médico sabe da possibilid­ade disso vazar.”

O Conselho Federal de Medicina destacou a importânci­a do sigilo médico e informou que os possíveis desvios de conduta dos profission­ais envolvidos no caso devem ser apurados pelo Cremesp. O CFM deve apenas “atuar na condição de instância recursal”.

Advogada especialis­ta em direito à saúde, Renata Vilhena afirma que os pacientes que se sentirem lesados podem denunciar. “Pode-se reclamar no Conselho Regional de Medicina e entrar na Justiça para pedir indenizaçã­o por danos morais.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO-2/2/2017 Confidenci­alidade. Sírio afastou médica; para advogada especializ­ada, queixas podem incluir pedido de indenizaçã­o

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