O Estado de S. Paulo

OS CARNAVAIS QUE FORAM DAS RUAS PARA AS MEMÓRIAS

De escolas a blocos, personalid­ades relatam como a festa marcou sua vida

- Edison Veiga

Na madrugada de sábado, dia 25, quando a escola Águia de Ouro entrar no Anhembi – com um enredo que homenageia os animais –, o quadrinist­a Mauricio de Sousa abrirá um sorriso. Ele ainda não sabe se figurará no alto de um carro alegórico ou assistindo de camarote. Mas algumas de suas mais simpáticas criações – Mônica, Cebolinha, Magali, Cascão, Chico Bento, Rosinha, Franjinha, Jeremias, Luca e Dorinha – estarão desfilando, acenando para o público, com seus animaizinh­os de estimação.

O gosto pelo carnaval vem da infância. Mauricio lembra que seus pais eram grandes carnavales­cos. “Minha mãe costurava fantasias incríveis para mim. A cada ano, ia vestido como um super-herói diferente”, conta ele, que costumava frequentar as matinês do Clube União, em Mogi das Cruzes, onde morava. “Quando eu tinha 7 ou 8 anos, para não repetir fantasia, inventamos que eu iria de diabinho. Lembro que não aguentava todo mundo puxando meu rabo.”

“Acompanho carnavais desde que saía em blocos na garupa do meu pai, ainda menininho, em Mogi das Cruzes. Depois acompanhei carnavais do Rio, de São Paulo”, recorda-se. Na adolescênc­ia, já “metido a desenhista”, chegou a fazer ele próprio a decoração carnavales­ca do clube. “Mas o ponto alto, para mim, foi em 2007, quando fui homenagead­o pela escola Unidos do Peruche. Saí no alto de carro alegórico, dançando o tempo todo. Em outros pontos da escola, estavam os personagen­s, ao vivo e como grandes esculturas. Foi meu carnaval inesquecív­el.” Um repeteco que ele espera ver, de certa forma, com a Águia neste ano.

A magia do carnaval é tamanha que a festividad­e tem o poder de ser inesquecív­el para os que dele gostam – e para os que também não são lá muito chegados. Com essa premissa, a reportagem foi conversar com algumas pessoas conhecidas para saber qual foi o carnaval mais marcante da vida delas, aquele cujas lembranças não viraram cinzas com a quarta-feira.

“Sempre fui fraco em carnaval, sou tímido”, começou dizendo o cineasta Fernando Meirelles. Para emendar citando um “lá por 1962 ou 1963, em Ri- beirão Preto” – ou seja, quando ele tinha 6 ou 7 anos de idade – “uma turma ficava na rua jogando bexigas com água nos carros que passavam na avenida; depois jogavam ovo, farinha. Uns carros entravam na brincadeir­a, outros brigavam. Foi a primeira vez que eu vi gente muito bêbada caindo e dois caras saindo no braço na minha frente. Eu era criança, achei aquilo muito emocionant­e.”

Também são do interior paulista as melhores lembranças do escritor e colunista do Estado Marcelo Rubens Paiva – no caso, de uma folia que ele passou em São João da Boa Vista em 1979, quando tinha 19 anos. “Havia um festival de rua e blocos sensaciona­is, carnaval de verdade, inocente. Eu me fantasiei de mulher por três dias.”

Produção própria. Tom Zé, o músico, também se fantasiou. Em 1960, em sua Irará natal, aos 23 anos. Mas não de mulher. “Ou as moças não teriam mostrado aquela disponibil­idade toda. Na época, a divisão sexual estava bem marcada”, comenta. “Pedi à tia Anatália e desenhamos, em parceria, três fantasias para os três bailes do clube. No primeiro dia, foi um sucesso. No segundo eu já estava com um pouco de tédio... Uma certa depressão com tanta festa. No terceiro dia, peguei a fantasia e dei a Isnard, um amigo, e fiquei em casa quieto. Foi o maior carnaval de minha vida: um dia e meio de clube e fantasia. Baile e meio”, relata.

O músico guarda orgulho de sua confecção. “Naquele tempo circulavam revistas como O Cruzeiro, Jornal das Moças ( de costura) e eu, que sempre fui metido em moda, retificava, em cada fantasia propunha várias modificaçõ­es e tia Anatália desenhava. Ficaram vistosas, moças que me esnobavam dançavam comigo ou perto de mim. Não eram tradiciona­is, eram alguma coisa que ficava bem para mim, que eu gostava, sem muita pata- coada, tinham intenções de nobreza”, diz.

O escritor, editor de livros e jornalista Marcelo Duarte diz que “era daqueles paulistano­s que, no carnaval, pegava um avião e ia para Buenos Aires passar o feriadão lá, longe da confusão”. “Uma vez, cobri o carnaval no sambódromo pela Rádio Bandeirant­es e depois o desfile das campeãs pela TV Bandeirant­es. Nem lembro o ano. Só lembro que foi a única vez que vi um desfile inteiro na minha vida.”

A melhor lembrança da cantora Iza é de quando tinha 8 ou 9 anos e estava na quadra da Imperatriz Leopoldine­nse. “Morava em Natal, mas fui passar o carnaval no Rio. De repente acabou a luz e eu fiquei assustadís­sima, mas ao mesmo tempo chateada, porque pensei que o ensaio fosse acabar”, relembra a cantora Iza. “E não acabou, as pessoas continuara­m cantando, a bateria continuou tocando, aquilo ficou muito marcado em mim. Achei muito bonito como o samba e a música estavam unindo as pessoas.”

“Já o meu inesquecív­el foi quando tive a honra de cantar no Galo da Madrugada”, conta a cantora Bruna Caram, citando evento de 2014. “Afinal, o maior bloco de carnaval do mundo, justo para mim que sou tão do carnaval de rua!”, lembra.

Troféu. O brasiliani­sta Matthew Shirts elenca três como seus carnavais inesquecív­eis. O primeiro, em 1976, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. “Logo depois de chegar ao Brasil, como aluno de intercâmbi­o, sem conhecer a festa nem o português, fui integrado ao bloco dos Sujos e levado ao Clube Indaiá, onde, aos 17 anos, depois de uns uísques paraguaios, levei o troféu folião”, narra.

Ele também se l embra com carinho do carnaval de 1984, que passou no Rio e assistiu ao desfile pela primeira vez. “Apaixonei-me ali de vez pela cultura brasileira”, frisa. Em 2001, ele foi encarregad­o de acompanhar uma americana a um tour carnavales­co paulistano: aula da VaiVai em uma noite, carro alegórico da Pérola Negra em outra, camarote do sambódromo para encerrar. “Tive de descansar uns três dias.”

O empresário Chiquinho Scarpa diz que seus carnavais favoritos “ficaram no passado”. “Eram no Teatro Municipal do Rio, onde as pessoas ficavam em camarotes, em grupos fantasiado­s por estilistas famosos, ou de smoking”, afirma.

Também são do Rio de Janeiro as melhores lembranças da cineasta Lina Chamie – mas, no caso dela, o marco ocorreu na Sapucaí. “Em 2003, ano que eu vi ao vivo do camarote”, diz.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Festa. Mauricio de Sousa estará com a Águia de Ouro neste ano
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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO -8/11/2016 Baile. Tom Zé cita ‘depressão com tanta festa’ em 1960

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