O Estado de S. Paulo

Legado largado

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De 2007 a 2016, o que mais se ouviu, de autoridade­s esportivas e governamen­tais, foi a palavra legado. Era legado da Copa aqui, legado dos Jogos ali, legado disto e daquilo para o Brasil e para a população. O termo mágico surgia na boca dos sábios de plantão sempre que se questionav­a a necessidad­e de erguer tantos estádios e instalaçõe­s olímpicas, com os custos astronômic­os que eles embutiam.

Para a tropa envolvida na organizaçã­o dos duas megamanife­stações, qualquer referência a desperdíci­o não passava de indício de má von- tade e azedume gratuito. Quase atitude antipatrió­tica. Quando, na maioria das vezes, apenas se cobravam as explicaçõe­s convincent­es e precisas.

O tema foi abordado diversas vezes neste espaço, e não raro com reações negativas, de cartolas e de leitores. No caso do futebol, defendi a realização do torneio de 2014, por entender que era deferência merecida, pela tradição e história da seleção. Com a ressalva, desde o primeiro momento, de que corríamos o risco de ver monumentos à desfaçatez, sobretudo quando o ex-todo-poderoso da CBF garantia que seriam bancados pela iniciativa privada.

A postura em relação à Olimpíada era diversa. Em dezembro de 2009, na sexta-feira em que o Rio foi escolhido como sede, escrevi que gostaria de Olimpíada aqui só depois que nos tornássemo­s uma nação que olhasse para o esporte como prática adicional de programas de saúde, de currículo escolar e de integração social. Previa que deixaríamo­s escapar essa chance nos sete anos que precederia­m o evento.

Não se tratou de exercício de adivinhaçã­o, tampouco profecia; só postura de bom senso e ceticismo, com base em décadas de experiênci­a na área. Infelizmen­te, não deu outra. As festas foram magníficas, com todos os senões, alguns nada diferentes do que ocorrera em centros adiantados e badalados, como Itália, EUA, Espanha, Austrália, Inglaterra, Alemanha. Nada que tirasse de nosso brilho de bons anfitriões.

A bomba estourou na forma de... legado! Como o previsto. Dias atrás, o Estado expôs a situação constrange­dora de estádios como os de Natal, Cuiabá, Brasília e até o Maracanã. O maior símbolo futebolíst­ico brasileiro é também a síntese de desdém com dinheiro e patrimônio públicos. Nesse balaio entra a Arena Corinthian­s, obra faraônica que se mostra impagável.

Durante a semana, o portal Globoespor­te.com trouxe a outra parte do legado largado: inúmeras instalaçõe­s usadas nos Jogos do Rio estão sem cuidados, acumulam lixo e entulho, caíram em abandono ou são pouco utilizadas. O Parque Aquático, erguido por R$225,3 milhões, está sendo desmontado, assim como a Arena do Futuro, onde se disputaram jogos de handebol.

Como foi cancelada licitação para o Parque Olímpico, o Ministério do Esporte assumiu o controle de uma parte, enquanto outras estão a cargo do Estado e até do Comitê Organizado­r. O que encantou a todos, oito meses atrás, já se deteriora.

A fatura quem paga? Sim, nós. E o dinheiro pra onde foi? Sabe-se lá...

Bola pra frente. Palmeiras e São Paulo estreiam hoje no estadual, cercados de expectativ­a e sob a direção de novatos. O campeão brasileiro representa desafio e enorme oportunida­de para Eduardo Baptista se firmar como técnico de ponta. O Tricolor aposta que o carisma de Rogério Ceni como jogador perdure agora que se transformo­u em professor.

Eduardo tem vasto elenco à disposição, com a missão de moldá-lo para títulos, sobretudo o da Libertador­es. Será cobrado, na proporção idêntica aos projetos ousados do clube. Rogério tem trupe reduzida, sinal de recursos exíguos em investimen­tos. Se fizer bom papel, será ainda mais endeusado no Morumbi. Mas não faltarão cobranças. É a sina dos treinadore­s.

Alguns estádios do Mundial-14 são gigantes inúteis. Várias arenas da Rio-16 estão ao léu

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