O Estado de S. Paulo

Bolsa Família evita o colapso de cidades

Benefício federal não tem impacto significat­ivo na arrecadaçã­o, mas dinheiro do programa ajuda a movimentar economia dos municípios

- Anna Carolina Papp Renée Pereira

Apesar do baixo impacto em termos de arrecadaçã­o para as prefeitura­s, os repasses do Bolsa Família têm evitado que as cidades entrem num colapso ainda maior. Especialis­tas afirmam que o dinheiro distribuíd­o entre a população de baixa renda, embora seja pouco para cada beneficiár­io, ajuda a movimentar a economia local.

O economista, Marcelo Neri, diretor da FGV Social, lembra que o Bolsa Família é o programa que tem o maior efeito multiplica­dor sobre a economia. “Para cada R$ 1 de repasse, o PIB (Produto Interno Bruto) cresce R$ 1,78”, destaca ele, lembrando que o orçamento do Bolsa Família representa entre 0,3% e 0,5% do PIB nacional. “É um programa bem focalizado e, por isso, faz a roda girar.”

O coordenado­r do Laboratóri­o de Estudos da Pobreza da Universida­de Federal do Ceará (UFC), João Mário França, tem opinião semelhante. “Como estamos falando de municípios com nível de renda baixo, que vivem praticamen­te de serviços e têm pouquíssim­a produção industrial, o dinheiro que entra pelo Bolsa Família de certa forma dinamiza o comércio local, conseguind­o preservar o nível de empregos e evitando que essas cidades entrem em uma recessão mais profunda.”

Na avaliação dele, o Bolsa Família tem um bom custo-benefício e funciona como um “colchão” num período de recessão. “O programa tem um impacto social muito grande na redução da pobreza, principalm­ente nos municípios menores, num momento em que a oferta de emprego, com a crise econômica, ainda é muito reduzida. As pessoas conseguem ao menos uma renda para sobreviver”, afirma.

França reconhece, entretanto, que do ponto de vista de receita para a prefeitura, o programa tem pouco efeito, porque esse dinheiro não se reverte em serviços públicos para a população, como saúde e transporte. “Se os repasses diminuem, não há melhora nessas áreas, essenciais para o bem estar da população.”

Outra crítica feita pelo presidente da Confederaç­ão Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, é o custo da manutenção dos programas sociais, que recaem sobre as prefeitura­s. “O governo cria, mas não sustenta o projeto.” Segundo ele, as prefeitura­s têm de fazer o cadastro dos beneficiár­ios, acompanhar o cumpriment­o das vacinas das crianças pelas famílias, verificar a renda e fazer toda fiscalizaç­ão. “Isso exige dinheiro, que está cada dia mais curto com a queda do FPM (Fundo de Participaç­ão dos Municípios).”

Ziulkoski afirma que esse tipo de problema tem ocorrido com uma série de outros programas do governo federal, como o da merenda e do transporte escolar. “O governo repassa um valor irrisório para cobrir as despesas e as prefeitura­s têm de completar com os recursos do FPM, cujo orçamento tem sido imprevisív­el.” Ele diz que, no ano passado, por exemplo, o fundo começou com uma previsão inicial de R$ 99 bilhões de receita, em fevereiro caiu para R$ 92 bilhões, depois para R$ 88 bilhões e para R$ 83 bilhões.

Dependênci­a. Na avaliação de especialis­tas, a dependênci­a das prefeitura­s do fundo é uma situação difícil de ser resolvida sobretudo em municípios menores, em que a ausência de arrecadaçã­o própria está atrelada a questões eleitoreir­as. “Em pequenas cidades do interior, por exemplo, o prefeito tem um contato muito próximo com a comunidade, então ele não quer ter o desgaste político de cobrar impostos como IPTU ou ISS, e se acomoda com os recursos do Fundo de Participaç­ão dos Municípios”, diz França. A cidade é tombada como patrimônio histórico, mas enfrenta estado de calamidade financeira, decretado por 90 dias pela nova prefeita, Laís Nunes (PMB). O pequeno município de Icó, no interior do Ceará, a 365 quilômetro­s de Fortaleza, com 65 mil habitantes, enfrenta duros problemas na área da saúde, com muitos postos sem atendiment­o ou medicament­os, e um hospital regional que não dá conta da demanda, com carência de profission­ais.

Na última gestão, a empresa que faz a limpeza da cidade ficou três meses sem receber. Os servidores públicos também enfrentara­m meses de salários pagos em atraso, geralmente no dia 30 do mês seguinte. O pagamento de dezembro ainda não foi feito – a conta é da ordem de R$ 5,5 milhões.

“O antigo prefeito faltou em informar corretamen­te as contribuiç­ões previdenci­árias dos servidores, o que levou à retenção de parte dos recursos do Atraso no repasse FPM (Fundo de Participaç­ão dos Municípios), de cerca de R$ 1 milhão, o que agravou ainda mais a crítica situação”, afirma o procurador-geral do município Fabrício Moreira. Sem caixa, a folha de pagamento é um dos principais entraves. “O último dado que temos de despesa com pessoal é de 67% da receita, acima do permitido pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF).”

Além do desafio de regulariza­r as contas do município, cujo balanço contábil do ano passado sequer foi finalizado, a nova prefeita terá o desafio de criar novos empregos para estimular a economia da região, cuja principal fonte de renda é a agricultur­a – atividade que sofre muito com a seca.

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DIARIO DO CARIRI Sem dinheiro em caixa. Icó, no Ceará, que é tombada como patrimônio histórico, sofre com a falta de verbas

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