O Estado de S. Paulo

‘Ou acordo vira lei ou acabamos com ele’

Ministro defende que reforma é modernizaç­ão da CLT e que mudança vai ajudar a recuperar o mercado de trabalho

- Murilo Rodrigues Alves Irany Tereza /

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, rebate as críticas de que dar força de lei a contratos coletivos de trabalho negociados entre patrões e trabalhado­res, principal ponto da minirrefor­ma proposta pelo governo Michel Temer ao Congresso, atende a um antigo pleito do empresaria­do. “Então, vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem”.

Nogueira, que decora o gabinete na Esplanada com foto do ex-presidente Getúlio Vargas, aposta no impacto da aprovação da minirrefor­ma neste primeiro semestre para a recuperar o mercado de trabalho.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o governo vai trabalhar para reverter o quadro de desemprego? Na verdade, a taxa não está aumentando. De dezembro de 2014 a dezembro de 2015, mais de 1,5 milhão de postos de trabalho foram fechados. De 2015 a 2016, foram 200 mil a menos. A comparação mostra que os números vêm reduzindo gradativam­ente. O governo já tomou as medidas necessária­s. A PEC dos gastos, estabelece­ndo controle nos gastos públicos. O corte para dentro, com redução entre 25% e 30% dos cargos em comissão. A proposta de reforma da Previdênci­a, buscando um caráter de sustentabi­lidade. E a modernizaç­ão da legislação trabalhist­a, que não se sobrepõe à lei. Não é o acordado sobre o legislado, porque se o acordado prevaleces­se, não precisaria existir a lei. A convenção coletiva poderá dar força de lei para o trabalhado­r escolher a forma mais vantajosa para usufruir de seus direitos. Por exemplo: a convenção coletiva não poderá aumentar a jornada de trabalho de 44 horas semanais, ou 220 mensais.

Hoje é permitido jornada de 12 por 36 horas para algumas categorias. Outras podem adotar a jornada flexível? Sim, desde que seja uma decisão da convenção coletiva e se respeite o período de intervalo do descanso. Hoje, não tem impediment­o. O pessoal da saúde e os vigilantes entendem que essa é uma regra vantajosa. Qual o problema? É que não tem segurança jurídica, até mesmo para essas categorias. Nossa proposta tem como eixo a segurança jurídica para que esses itens, se decididos na convenção coletiva, tenham força de lei.

Críticos dizem que isso privilegia as empresas devido à dificuldad­e dos trabalhado­res negociarem acordos. Então vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem. O sindicato representa o interesse coletivo do trabalhado­r. A convenção coletiva terá força de lei para deliberar sobre a forma como a jornada de trabalho – desde que respeitada­s as 44 horas semanais ou 220 horas mensais – poderá ser executada, observando os dispositiv­os da CLT: intervalo de descanso, limite de 12 horas, como já está previsto na CLT. Não dá pra noticiar que o governo pretende elevar o limite da jornada para 12 horas. É injusto. Isso já está na CLT. A regra geral é de que horas extras só são pactuadas dentro daquilo que exceder as 44 horas semanais.

O que muda, então? Há, sim, uma mudança. Porque (hoje) a CLT prevê 12 horas numa situação excepcio- nal. Quando se pega os dados da CLT e do TST se corrobora a visão de que, dentro do limite de 12 horas, pode-se pactuar as 44 horas semanais. Pode-se flexibiliz­ar isso aí. Ou damos segurança jurídica às convenções coletivas ou terminamos com elas. Não dá para continuar com o sindicato acertando o acordo e depois, lá na frente, um trabalhado­r entra na Justiça e o juiz diz que torna nulo o acordo coletivo para pagar a hora extra. A Justiça tem de ser plana, não pode ser complacent­e com um lado e nem rigorosa com o outro, senão não mudamos o País. A responsabi­lidade tem de ser mútua: de quem contrata e de quem é contratado. Qual o padrão sem convenção? Oito horas diárias e 44 semanais. Com convenção coletiva o trabalhado­r poderá defi- nir a forma de executar as 44 horas semanais.

O sr. acredita que litígios trabalhist­as serão reduzidos, com os acordos tendo força de lei? Sim, porque vai trazer segurança jurídica. Grande parte dos litígios hoje se dá em razão de acordos coletivos que, depois, são tornados nulos. O governo Temer tem a caracterís­tica de ser aberto ao diálogo. O governo não tem proposta de buscar adesão, busca a participaç­ão da sociedade para aprimorar a proposta inicial. A convenção coletiva irá deliberar sobre o banco de horas, para que a compensaçã­o seja equivalent­e ao pagamento da hora extra, 1 por 1,5 (para cada hora trabalhada a mais, o equivalent­e a uma hora e meia no banco de horas). Estamos aprimorand­o a representa­ção dos trabalhado­res nos assentos na convenção de trabalho. A convenção coletiva poderá deliberar também sobre a participaç­ão nos lucros, pró-trabalhado­r.

Por que o governo tirou a urgência do projeto de reforma trabalhist­a? Nem chamo de reforma, prefiro modernizaç­ão. Atualizar com a realidade do mundo. O projeto entra agora, j á f oi mandada a mensagem. Constituím­os um grupo técnico, com dois representa­ntes de cada central para acompanhar a reforma no ministério. Acredito que será votado ainda no primeiro semestre. O Brasil não pode esperar mais. Vamos empreender todos os esforços. Mas quem define a agenda do Legislativ­o é o Legislativ­o.

Há algum ponto inegociáve­l na proposta? Essa proposta é do trabalhado­r, construída junto com o governo. A deliberaçã­o não se toma de forma unilateral. Tanto trabalhado­r quanto empregador e governo têm consenso num ponto: o Brasil tem 12 milhões de pessoas que não têm endereço para trabalhar. É necessário unir empregador e trabalhado­r. Tem que ter disposição para o diálogo, o Brasil não pode esperar mais.

Especialis­tas afirmam que a taxa de desemprego vai piorar um pouco, antes de começar a melhorar... Quem está apostando que o Brasil não vai dar certo vai errar. O Brasil tem potencial. Temos 60 milhões de pessoas que não têm uma atividade econômica e esse número não surgiu nos últimos seis meses e nem esse número de 12 milhões de desemprega­dos surgiu nos últimos seis meses.

Quando o senhor acredita que vai começar a redução das taxas de desemprego? Gostaria de te dar uma data, como eu desejo isso. Mas a geração de empregos depende de um conjunto do resultado da economia, não depende só do Ministério. Tenho muito respeito pelos analistas. Às vezes, acertam, às vezes, erram. Quero apostar que dessa vez vão errar.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-19/8/2016 Desemprego. ‘Gostaria de dar a data (para início da queda), mas não depende do ministério’, diz Nogueira

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