O Estado de S. Paulo

Revisitand­o a história

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Da mesma forma como Alexandre Tombini foi aplaudido quando derrubou “na marra” a taxa de juros, Ilan Goldfajn foi criticado quando tardou em iniciar um ciclo de queda da taxa Selic. Mas tão rapidament­e quanto se tomou consciênci­a de que Tombini havia errado, ficou claro que Goldfajn optara pelo caminho certo.

Para que tivesse sucesso, o Banco Central teve de esperar o início de um ciclo de reformas no campo fiscal e somente impôs uma trajetória de queda intensa à taxa de juros quando teve claras evidências de que a inflação começara a despencar.

Mas nem sempre tivemos exemplos de coordenaçã­o entre as políti- cas fiscal e monetária e, para ter uma medida de quanto progredimo­s nesse campo, vale a pena revisitar a nossa história.

Nas décadas dos anos 1970 e 1980, o governo se negava a utilizar a política monetária para controlar a inflação. Preferia o caminho à época proposto pelo mainstream da academia dos Estados Unidos, que era o uso de uma “política de rendas”, que no Brasil adquiriu a forma de controle de preços. Os empresário­s apresentav­am ao CIP – o Conselho Interminis­terial de Preços – as suas planilhas de custos para obterem do governo a autorizaçã­o para mudar os preços e, se divergisse­m do que foi autorizado, eram “premiados” com o corte do crédito por parte dos bancos oficiais. Naqueles anos o CIP era um substituto do Copom.

Contrariam­ente ao que ocorre atualmente, o Banco Central não tinha nenhum poder. Embora tenha sido criado com a ilusão de que seria independen­te – afinal, no seu ato de criação seus diretores tinham um mandato fixo –, estava subordinad­o ao CMN, o Conselho Monetário Nacional. A resistênci­a do Banco do Brasil em perder seus privilégio­s como autoridade monetária e o acesso à emissão de moeda explicam por que não foi criado um banco central assemelhad­o ao dos de- mais países, optando-se por transforma­r o Conselho da Sumoc – um órgão subordinad­o ao Banco do Brasil – no CMN, ao qual era atribuída a tarefa de formular a política monetária, cujo executor seria o Banco Central.

Logo após a criação do Banco Central, quatro de seus diretores eram membros do CMN, mas as sucessivas mudanças de composição desse órgão foram pulverizan­do seu poder, dandolhe apenas um voto – o de seu presidente – e ampliando a participaç­ão de um número crescente de ministros de Estado, de presidente­s de outros bancos públicos e mesmo de representa­ntes do setor privado.

Diariament­e, o Banco do Brasil consolidav­a o montante de recursos que o governo utilizava, e pedia ao Banco Central para cobrir a diferença através da “conta movimento”, o que era feito emitindo ou moeda ou dívida sem a autorizaçã­o do Congresso. Além da execução do orçamento da União ser realizada por um departamen­to do BB e da gestão da dívida pública ser realizada pelo Banco Central, com o CMN e não o Congresso autorizand­o a expansão da dívida pública, o governo emprestava por meio do orçamento monetário recursos subsidiado­s ao setor agrícola, mas os subsídios não eram tratados como despesa da União.

Contrariam­ente ao que existe atualmente, caracteriz­ando um jogo cooperativ­o entre as autoridade­s fiscal e monetária, naqueles anos nem havia disciplina fiscal, nem o Banco Central tinha qualquer poder de exercer o controle monetário. Não havia outro resultado possível a não ser um descontrol­e fiscal e uma inflação muito elevada. O aumento do grau de indexação, naqueles anos, não foi nada mais nada menos do que uma consequênc­ia desse descontrol­e, funcionand­o como um mecanismo de defesa contra uma inflação que não tinha perspectiv­as de ser dominada.

As condições atuais são muito diferentes. Embora estejamos muito distantes daquele regime econômico caótico, o esforço atual de controlar a inflação será perdido caso o governo não prossiga firmemente com a agenda de reformas, cujo primeiro passo é a aprovação da reforma da Previdênci­a. Estamos no início de uma radical mudança do regime fiscal, cujo progresso permitirá assegurar ao Banco Central as condições para que possa continuar na tarefa de controlar a inflação.

Banco Central só reduziu os juros quando teve evidências da queda da inflação

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