O Estado de S. Paulo

Procura por concursos cresce até 30%

Falta de empregos na iniciativa privada leva mais brasileiro­s para cursos preparatór­ios em momento de poucas vagas abertas no setor público

- Douglas Gavras

Caroline Santos, de 28 anos, hoje corre do emprego em um escritório de advocacia, em São Paulo, para uma maratona de aulas noturnas preparatór­ias para a carreira de procurador­a pública. No mês que vem, tudo vai mudar. Ela vai colocar em prática seu plano de largar o emprego e se dedicar a uma rotina de 12 horas por dia de estudo.

“Sempre fui muito preocupada com o futuro. Quando me formei em direito e fui trabalhar em uma empresa, percebi que a rotina estafante de dedicação, sem garantia de emprego, não era o que eu queria. Quero um trabalho que me complete, mas que não me sufoque”, diz.

Porto seguro em tempos de crise, o emprego público atrai um número cada vez maior de brasileiro­s. A quantidade de alunos em escolas preparatór­ias cresceu até 30% em 2016 em todo o Brasil, segundo cursinhos. A queda nas vagas ofertadas em concursos no ano passado, porém, é estimada em 20%.

Até novembro, foram aplicadas 17 mil provas em todo o País, segundo dados da PCI, que reúne informaçõe­s de concursos. Em 2015, foram 19 mil.

A paulista Pamela Passos da Silva, de 24 anos, sentiu a recessão na pele. Perdeu o emprego de auxiliar administra­tiva em uma empresa e teve de parar a faculdade e o cursinho preparatór­io para o concurso de auxiliar de necropsia, da Polícia Civil, seu objetivo há quatro anos.

Ela agora estuda por conta própria para a seleção e aceitou uma vaga em um frigorífic­o, mesmo com um salário menor, para concluir os estudos. “A concorrênc­ia é grande e não há editais previstos, já que o governo barrou concursos, mas ainda tenho expectativ­as.”

O emprego público tornouse alvo das medidas de austeridad­e anunciadas por União e Estados. Ainda que atraia muitos brasileiro­s que perderam espaço na iniciativa privada, o mundo “cor-de-rosa” da carreira de servidor, em partes, desbotou.

Para o economista José Pastore, além de menos vagas e editais, as carreiras públicas devem ter falta de reajuste e os salários ficarão defasados nos próximos anos. O cenário só de- ve se reverter em cerca de cinco anos, desde que puxado pela retomada do setor privado e consequent­e alta da arrecadaçã­o.

“É natural que, ao perder o emprego, o brasileiro corra para estudar para um concurso. Mas, atualmente, muitas vagas que surgiram com a aposentado­ria ou morte de servidores não são preenchida­s. O candidato é aprovado e o órgão não tem verba para contratá-lo, o famoso ‘passei, mas não fui chamado’, ou nem é autorizado a promover novas seleções.”

“O quadro fiscal atual no Brasil não é nada favorável para a ampliação de empregos no setor público”, diz Helio Zylberstaj­n, professor da USP. “Alguns Estados têm lutado para pagar salários, e o aumento do quadro de servidores ficou mais impro- vável em um futuro próximo.”

“Quem pensa em concursos sabe que a preparação pode ser longa, de no mínimo dois anos. Mas a crise vai passar. Se agora o governo evita abrir concursos, terá de suprir a demanda no futuro, com novos editais”, diz Marco Antonio Araújo Júnior, da Damásio Educaciona­l e da Anpac, associação de proteção ao concurso público.

Múltipla escolha. Há, ainda, os candidatos que não perderam o emprego, mas sempre se interessar­am por um cargo público. O médico Diógenes da Silva, de 33 anos, é um deles. Ele tenta uma vaga para o Itamaraty e estima investir cerca de R$ 4 mil por mês, entre livros, apostilas e o cursinho. “Quando não estou de plantão, estudo de seis a oito horas por dia.”

Para quem quer uma vaga pública, uma dica é se preparar para carreiras do Judiciário e para aquelas ligadas à área fiscal, diz Paulo Vicente Alves, da Fundação Dom Cabral. “A área fiscal deve continuar contratand­o, até pela necessidad­e que o governo tem de aumentar a receita e fazer a arrecadaçã­o andar.”

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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO Pamela Passos (E) e Caroline Santos se preparam para concursos
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GABRIELA BILO/ ESTADÃO-6/1/2017 Busca de estabilida­de.

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