Atual Clássico e muito
outros detalhes, o conflito entre as leis dos deuses e as leis dos homens. “O texto atravessa o tempo e segue com uma atualidade incrível”, constata Andrea que, ao contrário do que possa parecer, não planejou todo esse caminho certeiro.
Na verdade, foi quase como algo intuitivo – quando terminava de gravar a última temporada da série Tapas & Beijos, ainda em 2015, a atriz buscava um texto para encenar no palco. As experiências anteriores foram poderosas – em 2012, protagonizou Jacinta, sobre a pior atriz do mundo, tão ruim que foi capaz da matar a Rainha de Portugal. Dois anos depois, uniu-se a Malu Gali e Mariana Lima, atrizes de igual gabarito, para viver o grupo de amigas que tenta superar o luto pela morte de uma quarta colega e, ao mesmo tempo, busca sentido para as próprias vidas. A peça se chamava Nômades.
Assim, quando iniciando férias da TV, ela foi incentivada pela colega de série, Fernanda Torres, que, sempre que possível, apresenta o monólogo A Casa dos Budas Ditosos. “Eu ficava com inveja de ela poder, assim de repente, levar o espetáculo para algum teatro e apresentálo novamente. O problema é que eu não pensava em fazer nenhum monólogo”, conta Andrea que, questionada por Fernanda sobre qual texto sonhava montar, foi empurrada pela amiga a encenar Antígona quando mencionou o texto de Sófocles.
Vencido o primeiro entrave, surgiu o segundo. Ainda que tenha escolhido a tradução de Millôr Fernandes – um exemplo de versão, aquela que adapta o pensamento e não a literariedade das palavras –, Andrea deparou-se com uma profusão de personagens, nomes que soariam esquisitos para o espectador brasileiro, deixando-o mais confuso que bem informado. “São deuses e semideuses que, para os gregos, são familiares, dispensando explicação sobre origem e intenções. Só que isso não aconteceria aqui”, conta. “Cheguei até a pensar em copiar o Bob Dylan que, no clipe de Subterranean Homesick Blues, vai contando a história por meio de cartolinas escritas.”
Presa nessa sinuca de bico, Andrea aproveitou para realizar outro sonho, o de trabalhar com o encenador Amir Haddad. Sábia escolha – não satis- feito por ter participado de movimentos decisivos na história teatral brasileira, como o do grupo Oficina, Haddad, consagrado, mas ainda insatisfeito, revolucionou ao recusar o teatro entre quatro paredes e organizou o Tá na Rua, grupo especializado em apresentar espetáculos gratuitos em praças e ruas. “Eu rejuvenesço ao ar livre”, garante ele. “Depois de um tempo, percebi que aprendia mais observando um camelô que o Paulo Autran.”
Movido, portanto, a desafios, Haddad aceitou o convite ao ouvir da atriz a confissão de que não sabia qual caminho seguir diante de tantas possibilidades. “Não há nada melhor que o caos, pois dali se faz a luz”, filosofa o diretor que, ao perceber a envergadura da pesquisa de Andrea, sugeriu que o espetáculo contasse a história da família de Antígona e não apenas se limitasse ao problema dela. Isso expandiria o trabalho e Haddad gostou da ideia das cartolinas escritas, inspiradas no clipe de Dylan. “O teatro é filho da História e da Filosofia. Por isso, tínhamos de voltar ao mito”, diz o diretor.
Assim, no espaço do Poeiri- nha, Andrea transita à frente de uma parede onde estão afixados os nomes de todos os descendentes de Antígona, uma árvore genealógica que chega até Zeus, o deus supremo. Trajando um figurino escuro, que tanto remete ao passado como faz lembrar o black style atual, Andrea tanto assume o papel de Antígona como a de uma narradora, situando plateia em uma intrincada teia política, em que o poder oscila entre várias mãos. “Adoro quando cito o nome de algum personagem e observo toda a plateia movendo a cabeça, localizando aquela figura nos cartazes atrás de mim, e, em seguida, voltando o olhar para mim. Parece o movimento do público de uma partida de tênis”, diverte-se.
Tamanha intimidade com o espectador faz parte do trabalho conjunto com Haddad. Afinal, mesmo não estando na rua, Andrea age como se estivesse ao ar livre, recebendo todos os espectadores na entrada, avisando que a saída está liberada para os descontentes e mantendo a porta de seu camarim aberta. A atriz chega até a acudir aqueles que sofrem um incômodo acesso de tosse, oferecendo uma garrafa d’água estrategicamente guardada. “Minha felicidade é suprema”, reage.