O Estado de S. Paulo

Pelo telefone

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Quando a turma se reunia no bar, e a conversa esquentava, e as bolachas de chope começavam a se multiplica­r sobre a mesa, era comum alguém ser lembrado – alguém que prometera ir ao bar e não aparecera, alguém do passado comum de todos que ninguém mais vira – e em seguida tentarem localizálo pelo telefone celular. “Liga para esse vagabundo”, eram as palavras de ordem, e depois todos se revezavam no telefone, xingando o ausente, intimando-o a aparecer, imitando voz de mulher e dizendo “Adivinha quem é?”, ou fazendo ruídos de bichos.

* Uma vez foram, literalmen­te, longe demais. Alguém na mesa perguntou “Que fim levou o Dado?” e passaram a catar o Dado com o celular. Primeiro, ligando para um número antigo dele, depois localizand­o uma irmã dele através de uma moça do serviço de assistênci­a ao assinante miraculosa­mente eficiente, depois chegando ao celular do próprio Dado, que fazia um curso de informátic­a em Grenoble, na França, e atendeu o chamado apavorado. – Que foi? Que foi? – Seu veado! Onde é que você anda? – É a mamãe, é? Mamãe está bem? – Que mamãe? Aqui é o Jander. – Quem?! – O Jander. Já esqueceu dos amigos, é? – Jander, você sabe que horas são aqui? Eu estava dormindo! – Epa. Aí não é mais cedo?

* Jander ouviu cinco minutos de desaforo antes de desligar o celular e dizer, magoado: “Como as pessoas mudam, né?”. Depois souberam que o Dado ficara tão nervoso com o telefonema no meio da noite que abandonara o curso de informátic­a, abandonara a França, voltara para junto da dona Djalmira, sua mãe, e estava trabalhand­o no armarinho da família. O telefonema mudara a sua vida por completo.

* Outra vez, um da turma chegou com o que dizia ser o telefone particular do Trump. Conseguira pela internet, não entrou em detalhes. A ideia era ligarem para a Casa Branca e quando o Trump atendesse, fazerem ruídos de pum. Cada um um ruído diferente, pois há puns em vários estilos. Seria o comentário da mesa sobre a política do Trump. Mas aí alguém lembrou que os americanos provavelme­nte rastreavam todas as chamadas para a Casa Branca, poderiam localizá-los, por satélite, em poucos minutos, e mandarem um drone destruir o bar. O plano foi abandonado.

* Os três se reuniram para um almoço e deixaram ordens para suas respectiva­s secretária­s os chamarem pelo celu- lar, durante a reunião. O primeiro a atender seu celular disse: “Sim, presidente. Vá em frente”, depois explicou aos outros que o Temer não fazia nada sem consultá-lo. O segundo atendeu seu celular e disse: “Chico, meu caro!”, depois explicou para os outros que era o papa. O terceiro atendeu se celular e disse: “Minha querida, que prazer”, depois explicou que era a Patrícia Pillar, deixando os outros arrasados.

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