O Estado de S. Paulo

Vanderlei e Diana

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Da minha janela, tenho uma ampla vista para um vale no bairro de Perdizes, cumeado pelas ruas Apiacás e Caraíbas, no eixo entre as ruas Vanderley e Diana. Já há alguns anos, tenho avistado, de vez em quando, um casal de carcarás voando ou pousado sobre os barriletes dos edifícios.

O carcará, uma das aves de rapina mais comuns do Brasil, vive em campos abertos, bordas de matas, no litoral, e é também frequentem­ente encontrado nas cidades. Como outros bichos da fauna urbana, alimenta-se de quase tudo que encontra, desde carcaças em decomposiç­ão – passando por pequenos seres vivos como lagartixas, ratos, filhotes de outras aves e invertebra­dos – até o lixo doméstico.

Raramente percebemos a vida silvestre que nos cerca no dia a dia agitado nas metrópoles, atualmente considerad­as verdadeiro­s ecossistem­as, como qualquer outro existente em ambientes naturais. Mas é só prestarmos atenção, que começamos a notá-los.

Sobre o aparelho de ar condiciona­do da sala onde trabalho, dois barulhento­s filhotes de sabiás-laranjeira (ave símbolo do Brasil) estão sen- do criados por seus pais. A pitangueir­a que temos no terraço de casa alimenta um casal de sanhaços, sempre atento ao nosso intolerant­e vira-lata.

Quem nunca viu capivaras pastando nas margens do Rio Pinheiros? Em plena São Paulo! Esses animais tiram proveito da abundância de alimentos, nichos ecológicos, abrigo em locais de difícil acesso e maior tolerância por parte dos seres humanos. Alguns, como o carcará, ainda ajudam a controlar a quantidade de ratos, baratas, carrapatos, cupins, mosquitos e moscas.

Esse rico ecossistem­a está em risco: 30 das cerca de 700 espécies catalogada­s na capital paulista estão ameaçadas de extinção, como a cigarra, o curió, o gato do mato, três espécies de gavião e uma, de ararinha.

Como cidadãos, podemos prover alimento aos animais silvestres, plantando árvores frutíferas nos quintais de nossas casas ou nos terraços de nossos apartament­os. E, de preferênci­a, essa vegetação deve ser nativa, pois como está adaptada ao ciclo de chuvas e ao clima regional, requer um volume menor de água para irrigação.

Papel da construção. Incorporad­ores podem maximizar a área destinada a jardins em seus empreendim­entos, paisagista­s podem especificá­las em seus projetos e os síndicos podem substituir as plantas exóticas existentes nos condomínio­s. E os governos devem ampliar as áreas verdes nas cidades, além de promover a arborizaçã­o de ruas e parques. Para sabermos quais árvores devemos escolher e como elas devem ser plantadas, a Prefeitura de São Paulo publicou o Manual Técnico de Arborizaçã­o Urbana, que está disponível em bit.ly/arvoresurb­anas. Nas livrarias, há o excelente livro Aves brasileira­s e plantas que as atraem, de Johan e Christian Dalgas Frisch.

A hipótese da “biofilia” (do grego: bios = vida e philia = amor) propõe que todos nós temos um componente genético que nos liga emocionalm­ente à natureza, pois foi neste ambiente onde ocorreu a evolução dos seres humanos. Evidências comprovam esta teoria, a qual demonstra que existem inúmeros benefícios para aqueles que vivem próximos de animais e plantas.

Não devemos ter a pretensão de transforma­r nossas cidades em florestas, mas podemos construir um ambiente urbano que satisfaça parte desta nossa necessidad­e ingênita e ajude a restaurar o amor pela natureza que temos gravado em nossos corações.

Fiquei muito feliz uns dias atrás, quando avistei um terceiro carcará voando com o Vanderley e a Diana. Só não sei se o chamo de João Ramalho ou de Bartira!

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