O Estado de S. Paulo

‘CÔNSUL’ AJUDA BRASILEIRO­S EM APUROS

Após longa viagem por terra nos anos 80, professor catarinens­e vive hoje no Texas

- Cláudia Trevisan

Cesar Rossatto tinha 24 anos quando embarcou em um ônibus em Santa Catarina determinad­o a chegar por terra à fronteira do México com os EUA. O ano era 1984, o último antes do fim do regime militar no Brasil. Poucos meses antes, seu pedido de visto havia sido negado pelo consulado americano em São Paulo.

Durante dias, Rossatto viajou de ônibus, carona, balsa e a pé, até chegar à Venezuela. Lá, percebeu que seria impossível atravessar com segurança a América Central, mergulhada em guerras civis em El Salvador e na Nicarágua, e decidiu voar até o Sul do México.

Um mês depois de ter saído de Santa Catarina, ele chegou a Tijuana, que faz fronteira com San Diego, na Califórnia. Sem visto, ficou na cidade mexicana durante 30 dias, trabalhand­o como voluntário em um abrigo para imigrantes, o que acabou garantindo sua entrada nos EUA. Lá, Rossatto conheceu um padre americano que lhe deu uma carta na qual se comprometi­a a garantir sua hospedagem e alimentaçã­o.

O brasileiro cruzou a fronteira legalmente, mas logo se tornou “indocument­ado”, mesma condição de 11 milhões de imigrantes, um dos principais alvos da campanha e dos primeiros cem dias do governo Donald Trump, que se completam amanhã.

Quando o pedido de renovação de seu visto foi negado, Rossatto decidiu permanecer nos EUA, em uma vida semiclande­stina que impedia que ele visitasse o Brasil. Apesar dos riscos, ele saiu do país cerca de cinco anos mais tarde para participar do funeral do pai em Santa Catarina. Na volta, atravessou de maneira ilegal a fronteira com o México, cruzando o Rio Grande longe dos agentes de imigração.

Depois de quase nove anos sem documentos, Rossatto conseguiu regulariza­r sua situação graças a seu emprego como assistente social, no qual se dedicava a amparar imigrantes que também estavam nos EUA sem documentos. Em 1996, ele obteve seu greencard e, cinco anos mais tar- de, a cidadania americana.

Há 15 anos, Rossatto é professor da Universida­de do Texas em El Paso, cidade na fronteira com o México na qual 80% da população é latina e onde o espanhol é predominan­te. “De todas as cidades em que vivi nos EUA, El Paso é a mais latina. Los Angeles tem muitos hispânicos, mas a cultura é branca. Miami também é latina, mas em El Paso esse traço é muito mais forte”, disse Rossatto, que fez doutorado em Educação na Universida­de da Califórnia em Los Angeles e deu aulas na Universida­de de Miami.

No segundo mais movimentad­o porto de entrada da fronteira depois de Tijuana, Rossatto acaba atuando como uma espécie de voluntário do Consulado do Brasil em Houston, que o aciona de vez em quando para dar assistênci­a a algum brasileiro em apuros. “Por causa da minha história e do que eu passei, eu sou sensível à situação dos imigrantes”, disse ao Es

tado em sua casa em El Paso. Segundo ele, a crise econômica no Brasil levou ao aumento do número de brasileiro­s que cruzam a fronteira. Mas dos que conseguem entrar, poucos ficam na cidade, de acordo com ONGs que trabalham com imigração.

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CLÁUDIA TREVISAN/ESTADÃO Solidário. Catarinens­e atravessou a América em 1984

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