Diretora encara o clássico com viés próprio
Apesar da polêmica sobre personagem negra, obra venceu o prêmio de direção, primeiro para uma mulher em 57 anos
Sofia Coppola foi cobrada em Cannes por sua decisão de praticamente eliminar as personagens negras de seu novo filme, que se passa justamente durante a Guerra Civil nos EUA. Norte e Sul foram à guerra por causa da escravidão, que era a base da economia sulista. Em O Estranho Que Nós Amamos, sobre soldado ferido (do Norte) que se refugia num pensionato de mulheres (do Sul), a tensão sexual é motor do relato e a racial vai para segundo plano. A diretora defendeu-se na coletiva – “Omiti de forma muito consciente porque não via espaço para incrementar o drama com personagens negras. Estaria sendo superficial e até irresponsável na abordagem de uma questão controversa”, considerou.
Terceiro dos cinco filmes do diretor Don Siegel com Clint Eastwood, O Estranho Que Nós Amamos original, de 1971, foi o único relativo fracasso da dupla. Para muitos críticos, é a obra-prima dos dois, mas não repercutiu tanto na bilheteria porque estava adiante de sua época ou fugia demais à imagem de Clint que o próprio Siegel ajudara a construir. O soldado desestabiliza o universo das mulheres e ao mesmo tempo está vulnerável. É quase uma inversão. O homem foi sempre predador no universo de ação de Siegel. Daquela vez, eram as mulheres.
O Estranho venceu em Cannes, neste ano, o prêmio de direção – o segundo atribuído a uma mulher em toda a história do festival. Antes, apenas Youlyia Solntseva, viúva de Alexandr Dovjenko, recebera o mesmo prêmio por Epopeia dos Anos de Fogo, em 1960. Sofia, contando a mesma história de Siegel, fez um filme feminino e talvez feminista. Não é pouco, mas o de Siegel é melhor.