O Estado de S. Paulo

Turistas ocupam local do ataque

Entre luto e homenagens, visitantes lotam as Ramblas em desafio aos objetivos do terrorismo

- Andrei Netto

Menos de 24 horas após o ataque em Barcelona, uma multidão tomou o local da tragédia. Desafiando o terrorismo, turistas e moradores participar­am de homenagens às vítimas do atropelame­nto.

Barcelona viveu um estranho dia seguinte ao atentado das Ramblas, no coração da Catalunha. Menos de 24 horas após o ataque terrorista, a população local e turistas se dividiram entre o choro, o choque, as homenagens às vítimas e um rápido retorno à vida normal. A reabertura progressiv­a da região central ocorreu por volta de 2 horas da madrugada de ontem. À tarde, uma multidão tomava as ruas, como em um dia comum em uma metrópole turística.

O dia em Barcelona, no entanto, começou sob tensão. Ao longo da madrugada, a polícia escoltou, em grupos de seis pessoas, os moradores e turistas hospedados na região do ataque até as residência­s e hotéis. Pela manhã, com as ruas ainda vazias, a presença ostensiva das forças de segurança deixou claro o temor das autoridade­s públicas de que uma nova tragédia pudesse ocorrer. Viaturas em entradas de grandes vias fecharam o espaço ao trânsito de automóveis, por prevenção.

Aos poucos, os barcelones­es e estrangeir­os começaram a sair às ruas, ainda com incredulid­ade. Esse foi o sentimento do casal de brasileiro­s James, empresário, e Lilian Castro, psicóloga, que passam férias em Barcelona hospedados em um hotel em frente ao ponto inicial da trajetória do terrorista no ataque. “Nós moramos no Brasil e temos muito medo, mas lá tentamos nos proteger, não saindo com joias, com dinheiro. Aqui é muito pior, porque você não tem ideia”, disse Lilian.

Pouco antes do meio-dia, o fluxo de pessoas nas ruas começou a crescer e aos poucos uma multidão se reuniu na Praça da Catalunha, centro da cidade, ao lado do local do atentado. Ali, o rei, Felipe VI, o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, e o governador da Catalunha, Carles Puigdemont, pediram à população que se una contra o terrorismo, a despeito de suas diferenças políticas – os catalães organizam um referendo de independên­cia em outubro, contra a vontade do governo central.

Às 12 horas, a multidão se calou em um minuto de silêncio. Nas ruas, ônibus e automóveis pararam. Ao final, uma salva de aplausos durou dois minutos e só foi interrompi­da por gritos de “Não temos medo!”. “É importante sair às ruas para manifestar solidaried­ade e para botar para fora um pouco da raiva que estamos sentindo”, disse o aposentado Manolo Rodríguez, revelando o receio que permeia os pensamento­s de muitos espanhóis. “Não sei nem como estamos todos aqui, reunidos, porque agora mesmo um novo atentado poderia acontecer. O que estamos fazendo aqui é uma loucura, porque o que esse homem fez é fácil. Agora alguém poderia fazer igual e seria um massacre.”

Lhuis Marcelo, estudante de 19 anos, também foi à praça prestar homenagem às vítimas. “Senti a necessidad­e de ver. As Ramblas são um local que todos visitamos, por isso o que ocorreu mexe com todos nós”, conta.

Da praça, uma parte das pessoas rumou para as Ramblas onde ocorreu o atentado, iniciando uma caminhada conjunta ao longo dos 550 metros nos quais a tragédia se produziu. Aos poucos, no local em que cada vítima morreu, entre elas crianças, velas, flores, desenhos e mensagens de homenagens foram sendo depositado­s.

Em clima de recolhimen­to, as histórias de emoção se sucederam. Em um dos pontos do trajeto, um homem postou-se em um trecho de rua aberto aos automóveis, em frente ao local em que seu filho morreu. Chorando de forma inconsoláv­el, ele foi sendo abraçado por desconheci­dos, em um gesto silencioso que se repetiu dezenas de vezes. Mais abaixo, no ponto em que o veículo foi parado, sobre um mosaico de Miró, uma homenagem maior a todas as vítimas foi pouco a pouco sendo organizada.

No meio da tarde, um protesto de membros da extrema direita espanhola reuniu entre duas e três dezenas de manifestan­tes contrários à imigração e à presença de muçulmanos no país. Revoltados, outros cidadãos interviera­m e houve um princípio de briga, interrompi­da pela polícia.

Em outro ponto, um homem partidário da independên­cia da Catalunha, vestindo uma camisa da campanha pelo “sim” à separação de Madri, indignou-se com a presença de outro homem que portava, em silêncio, a bandeira amarela e vermelha da Espanha. “Tenha respeito pelos mortos!”, repetiu, aos gritos, sendo ele próprio o único a desrespeit­ar o luto.

 ?? ANDREI NETTO/ESTADÃO ?? Ontem. Trecho das Ramblas de Barcelona, que apareceu em capas de jornais de todo o mundo, voltou a receber visitantes
ANDREI NETTO/ESTADÃO Ontem. Trecho das Ramblas de Barcelona, que apareceu em capas de jornais de todo o mundo, voltou a receber visitantes
 ?? DAVID ARMENGOU/EFE–17/8/2017 ?? Quinta-feira. Mesma região, quase deserta após atentado
DAVID ARMENGOU/EFE–17/8/2017 Quinta-feira. Mesma região, quase deserta após atentado

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