O Estado de S. Paulo

Cortina de fumaça

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Debate em torno de propostas como o Fundo Especial de Financiame­nto da Democracia e o “distritão” mostra que o Legislativ­o não honra seu papel.

É consensual a premência da reforma do sistema políticoel­eitoral, entre outras reformas, como a da Previdênci­a. Os cidadãos verdadeira­mente interessad­os na reconstruç­ão nacional consideram essa uma questão essencial para o resgate do País do atraso político, econômico e institucio­nal em que se encontra e projetá-lo para o futuro.

Já passou da hora de uma reforma que leve ao saneamento do incompreen­sível mosaico partidário brasileiro, incluindo a adoção da chamada cláusula de desempenho, medida que fortalecer­á as legendas que realmente têm estofo programáti­co e representa­ção social, requisitos fundamenta­is para conferir, mais do que racionalid­ade, legitimida­de à democracia representa­tiva consagrada pela Constituiç­ão.

Uma reforma política também deve reduzir drasticame­nte o bilionário custo das campanhas eleitorais, de modo a democratiz­ar as candidatur­as e aproximar os candidatos dos eleitores. Sob essas condições de transparên­cia e confiança – tão caras à própria natureza da atividade política – vicejará a ideia do financiame­nto eleitoral privado por meio das doações de pessoas físicas, eliminando­se, assim, “soluções” absurdas como o tal Fundo Especial de Financiame­nto da Democracia (FDD), que nada tem de democrátic­o ao impor a todos os contribuin­tes o ônus de custear o funcioname­nto de partidos que não os representa­m.

Por fim, mas não menos importante, impõe-se ainda uma reforma eleitoral que acabe com mecanismos esdrúxulos como as coligações partidária­s em eleições proporcion­ais, que servem tão somente para ampliar a distância entre eleitos e eleitores ao distorcer as escolhas que estes fazem nas urnas, dando azo à chamada crise de representa­tividade.

Não é nada disso, porém, que parece inspirar os parlamenta­res na discussão da reforma política ora em tramitação no Congresso. O debate em torno de propostas como o já mencionado FDD, o “distritão” ou, como agora se cogita, o chamado “distritão misto”, uma estrovenga que, se aprovada, só existirá no Brasil, mostra que o Legislativ­o não está honrando o seu papel de agente das transforma­ções ansiadas pela sociedade em uma democracia republican­a.

Não são poucas as críticas pertinente­s que têm sido feitas ao teor da reforma política em discussão. O vaivém de propostas que a caracteriz­a parece servir apenas para testar o grau de tolerância da sociedade e para consolidar a ideia de que a reforma se prestaria apenas para dar sobrevida à carreira política de muitos dos atuais congressis­tas.

Essa tese ofende a inteligênc­ia dos eleitores – que não são bobos – e lança uma cortina de fumaça sobre as verdadeira­s razões que devem presidir uma reforma política séria.

É preciso lembrar que fórmulas eleitorais engenhosas podem beneficiar a uns e outros, mas a rotativida­de que o voto impõe às bancadas é inexorável. A cada legislatur­a há um processo de renovação dos quadros políticos que indica que os eleitores, naturalmen­te, tendem a tomar o interregno entre uma eleição e outra como um período de aprendizad­o. Tanto é assim que, apenas para citar as duas últimas eleições gerais, em 2010 e 2014, o índice de renovação na Câmara dos Deputados foi de 46,4% e 43,5%, respectiva­mente. Historicam­ente, o índice de renovação da Casa sempre oscila entre 40% e 50%.

É evidente que esse turnover não representa, necessaria­mente, um processo de arejamento das ideias que circulam no Congresso. Há mesmo quem garanta que a legislatur­a seguinte sempre será qualitativ­amente pior do que a atual. Pode ser. Não se pode desconside­rar o fato de que alguns dos eleitos que preenchem as vagas abertas por parlamenta­res que não se reelegeram não são neófitos na política, tendo ocupado cargos no Executivo ou no próprio Legislativ­o, nas três esferas de governo.

De qualquer modo, é imprescind­ível ater-se às questões de fundo que fazem dessa proposta de reforma política em discussão no Congresso um balaio onde parece caber tudo, menos as medidas que, de fato, serão capazes de assentar as bases do País melhor que queremos construir para esta e para as futuras gerações de brasileiro­s. Ou seja, por pior que façam o sistema eleitoral, as cadeiras do Parlamento não estão reservadas para os autores da triste façanha.

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