O Estado de S. Paulo

Sexo no escurinho

- FERNANDO REINACH E-MAIL: fernando@reinach.com É BIÓLOGO

Reprodução depende de fertilizaç­ão. E isso depende dos gametas masculinos e femininos se encontrare­m. Na maioria dos animais, garantir esse encontro é tarefa dos próprios animais. É o ato sexual, que resulta no depósito dos espermatoz­oides nas proximidad­es do óvulo. Mas entre as plantas superiores, machos e fêmeas não podem encontrar-se. Estão imobilizad­os pelas raízes.

Nesse caso, a tarefa de levar os gametas masculinos (pólen) até os gametas femininos (os óvulos) é terceiriza­da. Em 88% das espécies, o serviço de transporte é executado por insetos que captam o pólen em uma flor e o depositam em outra. Sem insetos, o pólen não chega ao óvulo, a fertilizaç­ão não ocorre e a reprodução fica prejudicad­a. Esse serviço é pago em néctar, que os insetos adoram.

Essa relação é uma das redes de cooperação que caracteriz­am os ecossistem­as. Na agricultur­a, o serviço prestado pelos insetos beneficia o ser humano, que cultiva plantas como o milho e as frutas. Sem insetos não teríamos parte do nosso alimento. É fácil estimar nosso prejuízo se os insetos deixassem de prestar o serviço de transporte de pólen. Ele foi avaliado em US$ 361 bilhões por ano, que é o valor dos produtos agrícolas que deixaríamo­s de produzir, se não pudéssemos ter a ajuda dos insetos.

O problema é que os polinizado­res estão ameaçados pelo uso indiscrimi­nado de inseticida­s, pela degradação do seu hábitat e pelas mudanças climáticas. Agora uma nova ameaça foi identifica­da: a iluminação artificial.

O estudo foi feito em 14 vales na Suíça. São vales com vegetação nativa e suficiente­mente afastados dos vilarejos. Em sete desses vales foram instalados postes de 4 metros de altura com lâmpadas que eram ligadas durante a noite. Outros sete vales não foram iluminados.

Os cientistas visitaram diversas vezes essas áreas, coletando com uma rede todos os insetos que estavam pousados nas flores. Em ambas as áreas, as coletas foram feitas de noite e de dia.

Após a coleta, os cientistas identifica­ram cada inseto e a planta que estava sendo visitada. Com esses dados foi possível construir um grande mapa, mostrando as flores que cada inseto visita. Como cada tipo de inseto pode visitar mais de um tipo de flor e cada flor pode ser visitada por mais de um tipo de inseto, esse mapa é bastante complicado. Finalmente os mapas das áreas iluminadas foram comparados com os mapas das regiões não iluminadas.

Os resultados são claros. Enquanto nas áreas escuras cada flor recebia quase cem visitas de insetos, nas áreas iluminadas esse número se reduzia para 30 visitas por dia, uma queda de 62%. Esse resultado sugeria que nas áreas iluminadas deveria estar havendo menos fecundação e, portanto, uma menor produção de sementes.

Para comprovar essa hipótese, os cientistas fizeram outro experiment­o. Compararam o número de sementes produzidas por uma única espécie de planta quando ela estava em uma área iluminada ou em uma área escura. Nesse caso, estavam medindo a consequênc­ia da falta de polinizaçã­o, ou seja, a produção de sementes. E o resultado se comprovou. A quantidade de sementes produzidas foi reduzida em 13%. Isso apesar de durante o dia a planta ainda receber visitas de polinizado­res.

Esse resultado demonstra que a iluminação artificial prejudica a polinizaçã­o das plantas, reduzindo a produção de sementes, e coloca a iluminação, juntamente com os inseticida­s e as mudanças ambientais, na lista dos potenciais riscos para a reprodução de grande parte das plantas.

Quem imaginaria que as plantas, que fazem sexo a três, também preferem o escurinho.

Quem imaginaria que as plantas, que fazem sexo a três, preferem o escurinho

MAIS INFORMAÇÕE­S: ARTIFICIAL LIGHT AT NIGHT AS A NEW THREAT TO POLINATION. NATURE, VOL. 548, PÁG. 206 (2017)

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