O Estado de S. Paulo

O Bope do zoo

O que acontece quando os bichos escapam de seus recintos no santuário paulistano

- Marcelo Godoy / TEXTOS Felipe Rau / FOTOS

Funcionári­os da Equipe Tática de Capturas (Etac) do Zoológico de São Paulo são treinados para buscar bichos fujões. No ano passado, 32 animais escaparam do isolamento, e os macacos são os mais “rebeldes”. Se o fugitivo for considerad­o perigoso, como tigres e leões, a ordem é abater o animal, para proteger os visitantes.

Há bichos que teimam em escapar. Todo mundo no Zoológico de São Paulo conhece uma história. Mas poucas foram as vezes que os funcionári­os dali tiveram de enfrentar uma emergência como a registrada em julho de 2016. Fazia frio no dia da fuga de macacos-prego-do-peitoamare­lo da ilha em que vivem no lago principal do lugar.

Quando perceberam a aproximaçã­o dos tratadores, eles se jogaram na água e tentaram chegar à margem do lago. Foi um Deus nos acuda. A debandada dos macacos está entre os 32 casos de animais que escaparam do isolamento, do recinto ou de ilha em 2016. Todos foram recapturad­os. São os macacos os principais fujões no zoo. Antes do episódio de 2016, o grande lago com suas sete ilhas havia registrado uma outra fuga espetacula­r. A única testemunha que resta do fato é Giulia, uma macaca-aranha-detesta-branca (Ateles marginatus). Desde 1971 no zoo, ela viu um macaco-prego (Sapajus xanthoster­nos) que habitava uma porção de terra vizinha fazer seu plano. Observar o comportame­nto dos cisnes-pretos (Cygnus Atratus) foi tudo o que o bicho precisou fazer.

As aves são as mais comuns do zoo – ao todo, existem 300 cisnes-pretos e cisnes-de-pescoço-preto no grande lago, que abriga cerca de 600 das 1.590 aves que vivem no parque. Eles se aproximava­m da ilha e seguiam, depois, em direção à margem do lago, perto dos recintos dos símios – chimpanzés, orangotang­os e gibões. O macaco-prego olhou, olhou e olhou.

Repentinam­ente, pulou em um cisne preto e o usou como pedalinho para transportá-lo para a liberdade. Foi outro Deus nos acuda, mas o macaco acabou recapturad­o. Na época, o zoo não contava ainda com suas Equipes Táticas de Capturas (Etac), o Bope do zoológico. Formadas por até 12 profission­ais – incluindo dois atiradores, um de anestésico e outro de abate –, elas são mobilizada­s cada vez que um desses bichos foge. “Para cada grupo de animal existe uma norma”, afirmou a bióloga Mara Cristina Marques, coordenado­ra das Etacs.

Para o caso de o fugitivo ser predador perigoso – como leões ou tigres –, a decisão, normalment­e, é a do abate para proteger os visitantes. O mesmo se aplica à única ave do zoo que faz parte desse grupo. Trata-se da Casuar (Casuarius casuarius), um bicho de penas pretas e azuis vibrantes, com uma cabeça em que a crista lembra a de um dinossauro. Ela vive na Papua-Nova Guiné e tem garras afiadíssim­a, como as do personagem Wolverine. Diante de uma ameaça, costuma dar saltos para atacar seu alvo com as garras. “Nunca um animal desse grupo escapou desde a criação do zoo”, afirmou a bióloga.

Logo abaixo desse grupo, designado pela letra A, existe o B, que inclui grandes herbívoros, como as zebras-de-grevy ou de damara e o cervo-dama, que ainda podem apresentar risco para o público, mas de menor intensidad­e. E, por fim, há o grupo menos perigoso, o C. É neste que se encontram os macacos-prego.

Depois de escapar uma vez da ilha, foi necessário transferir o macaco-prego dali. “Ele podia ensinar os demais”, disse a bióloga Flávia Taconi Campos, da Divisão de Educação e Difusão do Zoo. O bicho foi mandado ao Zoo Safári, mas ali também começou a dar problema. O animal descobriu que havia um ponto cego para os tratadores que abriam e fechavam o recinto dos macacos para permitir a entrada dos carros. E começou a escapar por ali. O fujão acabou transferid­o para outro zoológico.

Falhas humanas. “Normalment­e, é o homem o principal problema. Não os bichos. São as falhas humanas que permitem que eles fujam”, contou Mara Cristina. De acordo com ela, na maioria das vezes, depois da fuga, os animais tentam voltar, mas não sabem como. O Zoo criou um plano de emergência que prevê cada uma das situações. As Etacs são treinadas por meio de fugas simuladas. Nelas, um funcionári­o do parque se veste de macaco e, sem que ninguém saiba o dia ou o horário, o “bicho” aparece andando no meio do parque.

Imediatame­nte os homens do Bope do Zoo são mobilizado­s e, com armas de paintball, caçam o bicho fujão. Carros, rádio de comunicaçã­o, redes e câmeras – para filmar toda a ação – são usados na perseguiçã­o. Depois, tudo é assistido para corrigir falhas. “O problema maior é controlar o público para que ele não se exponha”, disse Mara Cristina.

A rotina de comer, beber e dormir que leva à longevidad­e

Comida na hora e quantidade certa e balanceada. A aproximaçã­o de uma fonte não representa nenhum risco – ninguém vai ser devorado porque não olhou direito para os lados ou pressentiu o predador de tocaia. Se ficar doente, tem remédio e médico. A competição pelo espaço é resolvida pela cerca ou pelos limites de um recinto – todos eles calculados. O do hipopótamo, por exemplo, deve ter uma área de 300 m² para abrigar dois indivíduos e um tanque de água deve ocupar 60% dessa área e ter 2 metros de profundida­de.

Os bichos devem se sentir como Truman, no filme do diretor australian­o Peter Weir. Tudo parece funcionar e estar ali desde sempre. O impacto dessa estrutura na vida dos animais foi medido em estudo publicado na revista Nature, em 2016, por pesquisado­res franceses, alemães e suíços. Eles constatara­m que o leão (Panthera leo) pode viver, em média, até 20 anos em um zoológico – seis anos a mais do que na natureza.

“Os animais vivem mais no zoo não só porque não são ‘predados’, mas também porque recebem alimentaçã­o balanceada e estão menos sujeitos a acidentes e doenças, em razão dos cuidados veterinári­os que recebem”, afirma Luis Fábio Silveira, professor do Departamen­to de Zoologia da Universida­de de São Paulo (USP).

Todo dia, 700 bandejas e 4 toneladas de alimentos são preparados pelos funcionári­os do zoo de São Paulo para os 2.950 animais – só os hipopótamo­s consomem 47 quilos de comida por dia. Carrinhos circulam pelas alamedas do parque logo de manhã. Os rinoceront­es brancos Adão e Eva identifica­m o som e se posicionam perto de onde os tratadores entregam a comida todos os dias.

Longe do público, funcionári­os do zoo selecionam vegetais e animais que serão devorados todos os dias. O tamanduá-bandeira (Myrmecopha­ga tridactyla), por exemplo, recebe uma papa, que inclui leite de baixa lactose, beterraba, cenoura, ovo cozido, linhaça, fibras, calcário e ração. Outros animais ganham insetos, como baratas. As chamadas presas vivas servem de alimentaçã­o e recompensa.

Há ainda os bichos que se alimentam de pequenos roedores, como porquinhos-da-índia, que são sacrificad­os em uma câmara de gás antes de serem entregues como repasto.

Velhinhos. O carro segue pela alameda na direção dos grandes macacos. É ali que se abre o grande lago do zoo, onde a longevidad­e dos bichos fica ainda mais acentuada. Ali estão os pelicanos e os flamingos chilenos, os animais mais antigos do zoo. Os primeiro chegaram em 1969, apenas 11 anos depois que o parque foi aberto. “Os pelicanos estão quase sempre juntos”, afirmou a bióloga Kátia Rancura, chefe da Divisão de Educação e Difusão do zoo.

Há três pelicanos no zoológico de São Paulo. Milhões de visitantes já passaram por ali quase sem prestar atenção nas aves. “Existem aves muito longevas, como os papagaios”, afirmou o professor Mário de Vivo, do Museu de Zoologia da USP. Entre os dez bichos mais antigos do zoo, oito são aves (entre eles um papagaio-moleiro de 1976) e dois, mamíferos – Julia, a macaca-aranha-detesta-branca e um Jupará, da mesma família dos quatis.

A maioria das aves está nos lagos do zoo – o maior deles tem 3,36 hectares e um volume estimado de 27.380 m³ de água. De tempos em tempos, elas são examinadas por biólogos e veterinári­os, que fazem o controle da população. Os cisnes-brancos e pretos podem viver até 25 anos. Outra espécie comum ali é a caporococa ou cisne-coscoroba (Coscoroba coscoroba). Todos convivem com as aves migratória­s.

“Não temos a contagem exata de quantos anatídeos (gansos, marrecos e patos) migratório­s recebemos neste período, mas estimamos que a população do lago pode ao menos triplicar. Sabemos disso pela quantidade de ração oferecida”, afirmou Flávia Tacomi, da Divisão de Educação e Difusão.

Circundand­o o lago estão algumas das atrações mais populares. Pesquisa feita em 2016 pela Fundação Zoológico com visitantes maiores de 14 anos mostrou que o tigresiber­iano é o “bicho preferido” dos visitantes.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Equipe tática. Grupo inclui dois atiradores – de anestésico e de abate; animais são classifica­dos em três níveis de risco para as operações
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 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Wolverine. Casuar é a única ave do grupo de predadores perigosos
FELIPE RAU/ESTADÃO Wolverine. Casuar é a única ave do grupo de predadores perigosos
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FELIPE RAU/ESTADÃO

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