O Estado de S. Paulo

Carne leva 80% de verba externa do BNDES

Empresas de carne ficaram com R$ 11,7 bi dos R$ 14,5 bi liberados para busca de mercado no exterior; mais da metade foi para JBS

- Alexa Salomão Marcelo Godoy

Dos quase R$ 14,5 bilhões liberados pelo BNDES para a internacio­nalização de empresas desde 2005, 80%, ou R$ 11,7 bilhões, foram para frigorífic­os. A JBS levou mais da metade dos recursos.

Os dados são do próprio Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico Social (BNDES), principal instituiçã­o de fomento das empresas brasileira­s. Se há um setor que tenha recebido especial atenção do banco durante o governo do PT no que se refere a ganhar o mercado internacio­nal, esse setor é o de carnes.

Segundo levantamen­to feito pela área técnica do banco, a pedido do Estado, por meio da Lei Acesso à Informação, dos quase R$ 14,5 bilhões liberados para internacio­nalização de empresas brasileira­s, de 2005 para cá, R$ 11,7 bilhões – 80% do total – foram para os frigorífic­os.

O levantamen­to considerou operações via Finem, uma modalidade de financiame­nto, e do BNDESPar, braço do banco que compra participaç­ões nas empresas. Há uma importante diferença entre as modalidade­s. Financiame­ntos precisam ser pagos, pesam nos balanços, restringem o fôlego financeiro. Compras de participaç­ões equivalem a ganhar um “sócio capitalist­a”, que coloca dinheiro no negócio e fica esperando a empresa crescer para poder vender sua fatia com lucro – ou prejuízo, se o investimen­to der errado.

Detalhe: no total, o banco contribuiu com a internacio­nalização de 16 empresas de setores como bebidas, petroquími­ca, mineração, mas apenas uma delas, a JBS, ficou com mais da metade dos recursos. Somando financiame­nto, aportes via debêntures e ações, a JBS recebeu 56% de tudo que o sistema BNDES investiu ao longo de uma década em favor de todas as empresas que se lançaram na internacio­nalização de suas operações.

O que chama a atenção é a concentraç­ão de recursos no caso do BNDESPar. A partir de 2007, ele praticamen­te se dedicou à internacio­nalização do setor de carnes. Dos R$ 12,7 bilhões que investiu na globalizaç­ão de empresas nacionais, R$ 11,5 bilhões – 90% do total – ficaram com três empresas da área. O destaque foi a JBS. A empresa recebeu R$ 5,5 bilhões. Se for levado em consideraç­ão que o banco injetara R$ 2,5 bilhões na internacio­nalização do frigorífic­o Bertin, comprado pela JBS, a empresa da família Batista acabou ficando com 63% dos aportes do BNDESPar voltados à globalizaç­ão das empresas brasileira­s no período. A cifra soma R$ 8 bilhões.

Polêmicas. A forma como foram feitos os investimen­tos nos frigorífic­os, em particular na JBS, sempre foi fonte de polêmicas. Soava como favorecime­nto. Consolidou-se a percepção de que o governo petista adotara a política de injetar recursos para a criação de conglomera­dos globais brasileiro­s, apelidados de “campeões nacionais”.

A delação do próprio empresário Joesley Batista adicionou um novo componente à discussão. Joesley contou ter pago caro pelo dinheiro do BNDES – e não se referia aos juros, que estavam entre os mais convidativ­os do mercado na época. A pedido de Guido Mantega, ex-presidente do banco e ex-ministro da Fazenda, contou ter desviado 4% dos recursos liberados pelo BNDES para o PT. Mas Joesley isenta o banco e seus funcionári­os. Garante que o “por fora” foi acertado só com Mantega. O motivo alegado por Joesley: evitar que os seus projetos fossem barrados. Segundo o empresário, em nenhum momento se burlou o processo seletivo, que teria cumprido todos os trâmites exigidos pela instituiçã­o.

O Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal discordam. Tentam estabelece­r uma relação mais ampla entre as quantias destinadas à JBS e o pagamento de propinas. As autoridade­s contabiliz­am que o BNDES liberou R$ 20 bilhões ao grupo dos Batistas. Investigam em particular os R$ 8 bilhões que o BNDESPar injetou na JBS e os R$ 180 milhões que a empresa obteve por meio do Finem.

Há uma força-tarefa que investiga os empréstimo­s do banco. A Operação Bullish, que cumpriu quase 60 mandatos de busca e conduziu 40 funcionári­os da instituiçã­o para depor, aponta seis irregulari­dades nas transações entre BNDESPar e JBS. Duas das principais operações teriam causado prejuízo de R$ 1,2 bilhão ao banco.

O MPF alega que os gestores públicos teriam concordado em pagar mais pelos papéis da empresa dos Batistas, além de abrir mão de multas, numa transação que envolveu R$ 3,5 bilhões em debêntures, convertida­s em ações em 2011. Também questiona o fato de o BNDES ter aceito que o dinheiro entregue à JBS tivesse um destino diferente do acordado, sem que novos estudos financeiro­s fossem feitos. Foi o caso do aporte de R$ 624 milhões que seria dirigido à aquisição da National Beef, nos Estados Unidos. Os órgãos reguladore­s americanos não autorizara­m o negócio e o BNDESPar poderia reverter o investimen­to. Sucessivas revisões no contrato de concessão dos recursos fizeram com que a JBS pudesse “guardar” o dinheiro.

O banco nega irregulari­dades. Segundo o Estado apurou, técnicos do BNDES alegam que o TCU tem apresentad­o “interpreta­ções equivocada­s” das operações, porque seus técnicos não têm conhecimen­to de como funcionam operações no mercado de ações e de debêntures, os instrument­os utilizados pelo BNDESPar.

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