O Estado de S. Paulo

Quem financia a democracia?

- Vera Magalhães

Melhor seria mesclar o que já existe de dinheiro público com financiame­nto privado.

Aproposta de criação de um fundo para financiar as campanhas eleitorais foi rechaçada de forma peremptóri­a pela sociedade, a ponto de levar os deputados a um momentâneo recuo para rever a proposta.

É natural que haja essa rejeição, dados os escândalos envolvendo justamente o custeio de campanhas e as severas restrições orçamentár­ias para outros serviços públicos. Mas cabe refletir seriamente sobre a pergunta do título desta coluna.

Afinal, não existe democracia grátis. E não é razoável que se crie um impasse em que o Supremo Tribunal Federal julga inconstitu­cional, de um lado, o financiame­nto empresaria­l das eleições, e, de outro, a grita da sociedade impede qualquer outra forma de custear as eleições, que nada mais são do que o veículo para assegurar a democracia.

Quando o STF declarou inconstitu­cionais as doações privadas, que respondiam pelo grosso do custeio das campanhas, juntamente com o Fundo Partidário, o Congresso aprovou em 2015 as regras que fizeram da eleição de 2016 a mais barata da década.

Mas o modelo “marineiro”, baseado em contribuiç­ões de pessoas físicas, se mostrou inviável para bancar uma eleição geral, sobretudo a disputa para presidente da República, que envolve grandes deslocamen­tos e, principalm­ente, muito gasto em propaganda política.

Partidos de esquerda sempre foram os primeiros a bradar por financiame­nto público de campanhas – como se já não saísse dos cofres da União boa parte desse custeio, seja na forma do Fundo Partidário, que neste ano tem uma dotação de R$ 819 milhões, seja na forma de renúncia fiscal que viabiliza o horário eleitoral “gratuito”.

Agora que ele se torna uma inevitabil­idade, graças à decisão da Corte constituci­onal, não adianta sociedade, imprensa, juristas, representa­ntes de ONGs e outros setores apenas bradarem que é um absurdo destinar R$ 3,6 bilhões pagar eleições, como se fosse um gasto supérfluo ou evitável. Não é.

Há que se baratear as campanhas, que mais se parecem superprodu­ções hollywoodi­anas desprovida­s de conteúdo programáti­co e muitas vezes baseadas em puro embuste? Certamente. Nesse ponto, a campanha franciscan­a de 2016 foi uma evolução: não se viram cidades coalhadas de propaganda, o período de exposição na televisão foi reduzido e os marqueteir­os desceram do seu olimpo odebrechti­ano para receber pagamentos mais realistas.

Esses ganhos devem ser incorporad­os e valer como parâmetros para 2018. Mas não é apenas chororô de político a constataçã­o, óbvia, de que a campanha do ano que vem será mais cara, ainda que adequada à nova realidade pós-Lava Jato.

Que ninguém se engane: não há modelo perfeito, simplesmen­te porque nenhum é impermeáve­l a corrupção, caixa 2, uso de laranjas e outras irregulari­dades.

Financiame­nto público é a melhor forma? A meu ver, não. Melhor seria mesclar o que já existe de dinheiro público com um financiame­nto privado que não excluísse as empresas, mas impedisse que elas comprassem políticos para atender a seus interesses quando eleitos, como se tornou a praxe. Como? Com a fixação de limites de valores e regras para destinação dos recursos de forma mais impessoal possível.

Mas não há tempo nem clima político para se restabelec­er o financiame­nto privado depois de toda a traficânci­a revelada pela Lava Jato. Portanto, o financiame­nto predominan­temente público é um dado da realidade.

Cabe a todos ter maturidade de entender que o dinheiro terá de vir de algum lugar, restringi-lo a um montante estrito, mas suficiente a uma campanha sem pirotecnia, e parar com a gritaria um tanto hipócrita das últimas semanas. Democracia custa caro. Mas a alternativ­a tem um custo muito maior, e não só pecuniário.

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