O Estado de S. Paulo

Não é por falta de mudar

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Diante da premente necessidad­e de uma profunda reforma política, alguém poderia pensar que as regras eleitorais no Brasil são muito antigas e que, portanto, estariam agora carentes de uma adaptação aos tempos atuais. Tal impressão não condiz, porém, com a realidade. Conforme mostrou recente reportagem do Estado, entre 1998 e 2015, houve uma mudança da legislação a cada eleição.

Entre a Constituiç­ão de 1988 e a última reforma política, aprovada em 2015, as regras eleitorais mudaram em média de 18 em 18 meses. Habitualme­nte, elas ocorrem na véspera do ano eleitoral. Em 1993, por exemplo, foi aprovada a lei que autorizou as doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitu­cional tal possibilid­ade, já que conferia às empresas um poder de interferên­cia nas eleições incompatív­el com o sistema democrátic­o. Quem tem direitos políticos são os cidadãos, não as empresas.

A alta frequência das mudanças nas regras eleitorais – foram 14 alterações relevantes desde 1988 – é um poderoso alerta a respeito da reforma política atualmente em debate na Câmara dos Deputados. Não basta mudar as regras. É preciso que as mudanças melhorem de fato o sistema eleitoral. Não é exagero dizer que, até agora, as alterações realizadas na legislação eleitoral foram, em sua imensa maioria, simples reflexo do instinto de sobrevivên­cia política dos parlamenta­res.

Justamente por expressare­m apenas uma conveniênc­ia eleitoral de curto prazo, as alterações levadas a cabo não atenderam à premente necessidad­e de reforma política. Parece ter ocorrido justamente o contrário – quanto mais o Congresso mudou as regras eleitorais, mais necessitad­o ficou o País de uma verdadeira reforma, capaz de melhorar a qualidade da representa­ção e de renovar o sistema partidário.

Deve-se reconhecer que a atual comissão da reforma política da Câmara dos Deputados segue os mesmos passos, propondo mudanças que apenas pioram o sistema vigente. Na semana passada, os membros da comissão aprovaram a imoral proposta de criar mais um fundo com dinheiro público para financiar campanhas políticas. Segundo o texto aprovado na comissão, a ideia é destinar 0,5% da receita corrente líquida da União – algo em torno de R$ 3,6 bilhões – para que os políticos façam suas campanhas eleitorais. Desejam substituir o necessário e democrátic­o esforço de convencer os cidadãos a apoiar suas ideias e causas pela automática destinação de dinheiro do contribuin­te aos seus bolsos.

Seguindo a mesma tendência de mudar para piorar ainda mais as coisas, a comissão da reforma política aprovou a proposta do chamado “distritão”, que extingue o sistema proporcion­al nas eleições para a Câmara, que passariam a ser regidas por um canhestro sistema majoritári­o.

O objetivo do “distritão” é garantir a reeleição dos atuais deputados, especialme­nte dos chefes partidário­s. Por transforma­r a eleição para a Câmara numa simples corrida majoritári­a, ganham – como se escreveu neste espaço – as personalid­ades do mundo do entretenim­ento e os oligarcas da política, cujos nomes são facilmente reconhecid­os pelos eleitores; perdem, evidenteme­nte, os partidos, cuja função deixa de ser a defesa de uma ideia de país, passando a funcionar como fornecedor de palanques e santinhos a quem por isso se interessar. Ou seja, se a reforma for aprovada nos termos propostos pela comissão da Câmara, haverá uma desvaloriz­ação ainda maior do partido como organizaçã­o política da sociedade.

As regras eleitorais brasileira­s não estão caducas por uma suposta longevidad­e. Estão carentes de renovação por serem ruins. Ou seja, o que faz falta é melhorar de fato a qualidade da democracia representa­tiva. O atual Congresso precisa rejeitar terminante­mente essas manobras dos maus políticos. De qualquer forma, o eleitor rejeitará em 2018 todos esses que, simulando reformas, só buscam a continuida­de da velha política.

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