O Estado de S. Paulo

Fundo de R$ 3,6 bi ‘é um desaforo’, afirma Barroso

Reforma. Ministro do STF critica proposta que cria reserva pública bilionária e defende o barateamen­to das campanhas; para ele, financiame­nto empresaria­l era um sistema ‘mafioso’

- Breno Pires Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Crítico do atual modelo eleitoral e partidário brasileiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), considera um “desaforo” a criação de um fundo público com R$ 3,6 bilhões para financiar campanhas, como está sendo discutido na Câmara. Diz que o valor teria de ser menor, chegando, no máximo, a R$ 1 bilhão.

Futuro vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições de 2018, Barroso aponta como positiva a proibição da doação empresaria­l nas eleições, sistema que, segundo ele, era “mafioso”.

O ministro defende o barateamen­to das campanhas, o aumento da representa­tividade no Parlamento e a ampliação da governabil­idade. Para ele, a solução é o Congresso aprovar o voto distrital misto para as eleições de 2022, mesmo pagando o “preço do distritão” para 2018 e 2020. “Se não passar a reforma política, vamos continuar afundando no lamaçal que se tornou a política brasileira, e a lama já passou do pescoço”, afirmou o ministro ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Sistema atual.

Para o ministro, o sistema eleitoral brasileiro, com voto proporcion­al, lista aberta e coligações, é um “desastre completo”. “O eleitor não sabe exatamente quem ele elegeu, e o candidato não sabe exatamente por quem ele foi eleito”, diz. “Não tem como funcionar, porque o eleitor não tem de quem cobrar e o candidato não tem a quem prestar contas. Esta é, a meu ver, a principal causa do descolamen­to entre a classe política e a sociedade civil. Viraram mundos apartados, e isso, se perdurar por muito tempo, oferece um risco democrátic­o. Portanto, é preciso reaproxima­r a política da sociedade.”

O ministro critica a profusão de partidos políticos – atualmente são 35 registrado­s no TSE – e diz que o Supremo errou ao eliminar a cláusula de barreira, em julgamento em 2006. “Existem mais de três dezenas de partidos, existem outros tantos esperando na fila, de baixíssima densidade programáti­ca, e, na verdade, esses partidos acabam virando negócios privados. E, frequentem­ente, negócios privados desonestos, porque esses partidos vivem de apropriaçã­o privada do Fundo Partidário e da venda do tempo de televisão”, afirma.

Fundo eleitoral.

“A alternativ­a que se cogita, de R$ 3,6 bilhões, na atual conjuntura brasileira, é um desaforo, e, portanto, é compreensí­vel a reação da sociedade. Um número mais compatível com a realidade brasileira, R$ 800 milhões, por exemplo, até R$ 1 bilhão, é uma discussão razoável, consideran­do a transição do modelo que nós temos para o do distrital misto, que é muito mais barato.”

Governabil­idade.

No atual modelo presidenci­alista, segundo Barroso, o mandatário tem “excessivo protagonis­mo” e “mais poderes para fazer o mal do que o bem”. A proposta do ministro é a adoção do semipresid­encialismo, em que o presidente seria eleito pelo voto direto, conduziria as relações internacio­nais e indicaria o primeiro-ministro, bem como os ministros do Poder Judiciário.

“A eventual substituiç­ão do primeiro-ministro não abalaria as instituiçõ­es, porque o fiador da estabilida­de institucio­nal é o presidente da República, que tem mandato e não pode ser destituído”, avalia Barroso.

Distritão.

Barroso diz não ver com simpatia o distritão, por considerar que esse sistema dificulta a representa­ção de minorias e pode até encarecer as eleições. “Não me importaria que ele passasse, se esse for o preço para passar ao distrital misto em seguida. O sistema atual é tão ruim que possivelme­nte o distritão não é pior”, avalia.

E completa: “Acho que nós ainda vamos ter uma eleição difícil (em 2018), mas, se passar a reforma política com o distrital misto, nós teremos um caminho para o futuro. Se não passar a reforma política, vamos continuar afundando no lamaçal que se tornou a política brasileira, e a lama já passou do pescoço”, afirma Barroso.

Enfraqueci­mento das siglas.

Barroso rebate as críticas de que os partidos políticos seriam enfraqueci­dos com a aprovação do distritão. “Enfraqueci­mento dos partidos não é uma profecia. É um diagnóstic­o. Os partidos já estão dilacerado­s, quase todos envolvidos em coisas erradas. Uma das situações reveladas pela Operação Lava Jato é que a corrupção no Brasil é multiparti­dária. Ninguém pode apontar o dedo para ninguém neste momento no Brasil. A única discussão que pode ter é: ‘O seu partido é mais corrupto do que o meu’”, afirma.

Doações empresaria­is.

O ministro se opõe a qualquer possibilid­ade de voltar ao modelo de doações empresaria­is para campanhas, barrado pelo STF em 2015. Segundo ele, esse sistema foi “indecente no Brasil”.

“O sistema era imoral no sentido constituci­onal da falta de moralidade administra­tiva, e, portanto, o Supremo fez muito bem em fulminá-la (doação empresaria­l). Pior que imoral, ele era mafioso, como aliás a colaboraçã­o premiada da JBS mostrou. Tudo era comprado. Do financiame­nto à desoneraçã­o, era pago com dinheiro público, era pago com recurso desviado”, afirma.

Paternalis­mo.

Apesar de apoiar financiame­nto público para as próximas eleições, Barroso defende o fim desse sistema a longo prazo. “A meta tem de ser acabar com o fundo. A política precisa ser financiada pela cidadania. Você vai conquistar adeptos, fazer crowdfundi­ng (financiame­nto por meio de pequenas quantias, geralmente doadas pela internet por pessoas físicas), vai à sociedade buscar dinheiro. Essa dependênci­a permanente da verba pública que se criou no Brasil para tudo tem que acabar. A sociedade tem que acabar com essa dependênci­a do Estado. Esse paternalis­mo que existe no Brasil em relação a tudo precisa diminuir”, diz.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO Gabinete. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso concede entrevista ao ‘Estado’ em Brasília

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