O Estado de S. Paulo

‘Defendo mudança do sistema para 2023’

Senador vê condições para que parlamenta­rismo seja aprovado e implementa­do no Brasil nas eleições de 2022

- José Serra, Adriana Ferraz

Um dos fundadores do PSDB, partido que se formou em torno da tese do parlamenta­rismo, o senador José Serra (SP) defende a aprovação do sistema de governo, que voltou à discussão com a votação da reforma política no Congresso, valendo não para o ano que vem, mas para as eleições de 2022 e sendo implementa­do em 2023. Para o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Michel Temer, o presidenci­alismo no País tem sido um “fracasso histórico”. “No parlamenta­rismo, a troca de governo é uma solução. No presidenci­alismo, é uma crise”, afirmou Serra ao Estado.

Crítico do chamado distritão, o senador disse que há negociaçõe­s para a aprovação agora do modelo que elege os candidatos mais votados contando que, em 2022, vigore o distrital misto, que, para o tucano, aumentaria a legitimida­de democrátic­a. “Acho que seria uma mudança crucial.”

Na entrevista, Serra não quis falar sobre a propaganda do PSDB, a nova crise interna do partido e a antecipaçã­o da disputa eleitoral de 2018. A seguir, os principais trechos.

A Câmara dos Deputados pode votar a reforma política nesta semana, alterando o atual sistema eleitoral para o chamado distritão. Será uma espécie de transição mesmo para o distrital misto que o senhor defende?

O distritão elege os mais votados, o que enfraquece muito os partidos e dá um peso econômico para a eleição muito grande. Tenho um pé atrás com isso. O que está empurrando para esse modelo agora é o financiame­nto público de campanha, que pega muito mal na opinião pública e que sou contra. Defendo o distrital misto, onde se divide o Estado em distritos e cada um elege um deputado distrital. Aí, o candidato pode fazer campanha até de bicicleta. E como é misto, o eleitor vota no candidato e no partido, assim como na Alemanha. Os partidos lançariam menos candidatos, sem dúvida, e se gastaria menos. E ainda tem a questão da legitimida­de democrátic­a, que aumenta. O eleitor passa a se lembrar do nome de seu candidato e pode cobrar mais facilmente. Temos de mudar a forma de se fazer eleição para contribuir para moralizaçã­o e maior representa­tividade democrátic­a.

Há garantia de que seria implementa­do em 2022?

Estamos procurando uma maneira de negociar para daqui a quatro anos, para valer a partir de 2022. A ideia é que se vote agora e que se crave na Constituiç­ão que nas eleições seguintes haverá o distrital misto. Não dá tempo de implantar no ano que vem, mas acho que seria uma mudança crucial.

Como o parlamenta­rismo entra nisso?

Aí é outra questão. O parlamenta­rismo é o sistema de governo. No Brasil, o presidenci­alismo tem sido um fracasso histórico. Temos sete presidente­s que não terminaram o mandato, desde Getúlio Vargas, que se deu um tiro, até a Dilma (Rousseff). Em todos os casos houve uma grande crise. No parlamenta­rismo, a troca de governo é uma solução. No presidenci­alismo, é uma crise.

Mas essa mudança nem sempre colabora para a estabilida­de política. A Itália, por exemplo, teve mais de 60 governos diferentes em 70 anos. Isso é bom? A Itália, sobretudo, até os anos 1980, se desenvolve­u muito, consolidou sua democracia ao jeito italiano. É ruim, mas não é uma desgraça. Você tem mudança de governo, em certos períodos de maior de instabilid­ade, mas não é a legitimida­de democrátic­a que é contestada. E mais, no parlamenta­rismo, você está obrigado a ter um funcionali­smo com concurso, preparado, com uma margem de cargos de comissão infinitame­nte menor.

Também valeria para 2022? Defendo que se aprove, neste ano ou no começo do próximo, a adoção do parlamenta­rismo no Brasil a partir de 2023. Até lá, que sejam adotadas as medidas para adoção do sistema. E essa crítica de que no parlamenta­rismo os deputados teriam muita força é falsa porque eles já têm no presidenci­alismo, ou não têm?

Se os parlamenta­res já exercem essa força, por que mudar? No parlamenta­rismo, o voto deve ser mais responsáve­l. Isso porque se o projeto não passa, o governo corre o risco de cair. Compartilh­a-se mais a responsabi­lidade.

O presidente Michel Temer chegou a cogitar nomear um primeiro-ministro ainda durante seu governo, ou seja, até 2018, caso aprovada a mudança, como uma espécie de teste.

Não seria contra a ideia, imagina, mas acho que não dá tempo.

O senhor seria um bom nome? Não pensei nisso. Mas a minha vocação é para a vida pública, tanto no Legislativ­o como no Executivo, de maneira que se tiver um novo sistema vou estar aí, como sempre estive no caso do presidenci­alismo.

Não descartari­a então essa função?

Não me venha com essa, senão vão achar que estou pregando em causa própria. Houve até quem brincasse com isso. Como o Serra não se elegeu duas vezes presidente, ele quer o parlamenta­rismo para ser o primeiro-ministro.

Está errado?

Sim, quero o parlamenta­rismo pelo País, não por mim.

Essa é uma bandeira antiga do senhor. Por que agora seria o momento de adotá-la? Tivemos duas quedas de presidente desde a reabertura do processo democrátic­o. Isso mostra a instabilid­ade do sistema presidenci­alista.

Temer já teria caído se o Brasil fosse parlamenta­rista e ele, primeiro-ministro?

Não sei, pode ser que não. Pode ser que o governo dele tivesse sido reafirmado depois de um voto de desconfian­ça. No parlamenta­rismo é assim: você apresenta democratic­amente um voto de desconfian­ça do governo e se o Congresso aprova, o governo cai e o presidente indica outro primeiro-ministro capaz de formar maioria.

Há condição de se aprovar tantas mudanças significat­ivas até o início de outubro?

De se aprovar tem, de se implantar, não. Por isso defendo tanto o distrital misto como o parlamenta­rismo para 2023, já valendo nas eleições de 2022. Daqui até lá tem de ter preparo, senão não vai funcionar. Na política é preciso vencer dificuldad­es, transpor obstáculos. Estou convencido de que o melhor pode prevalecer. Política para mim não é a arte do possível, é a arte de ampliar os limites do possível.

A população deve ser consultada em um novo plebiscito para a adoção do parlamenta­rismo?

Se tiver, que se faça, mas com uma boa campanha para explicar o sistema à população. Vai ganhar desta vez.

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EVERTON OLIVEIRA / ESTADÃO Modelo. Crítico do distritão, Serra diz achar ‘crucial’ transição para o sistema distrital misto

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