O Estado de S. Paulo

Fora do radar

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Oregime venezuelan­o deu na sexta-feira um importante passo na execução de seu plano de permanênci­a no poder. A Assembleia Nacional Constituin­te, composta exclusivam­ente por chavistas, assumiu os poderes da Assembleia Nacional, de maioria oposicioni­sta. Esse era um dos principais propósitos da convocação da Constituin­te, e a sequência dos acontecime­ntos mostra claramente por quê.

Em dezembro de 2015, a oposição venceu as eleições parlamenta­res e obteve dois terços das cadeiras da Assembleia Nacional. Aquela eleição marcou o fim do domínio dos chavistas, que até então haviam vencido quase todas as votações desde a eleição de Hugo Chávez à presidênci­a, em 1998, com exceção do plebiscito de 2007 que permitia ao governo expropriar os bens da população.

A morte de Chávez e a queda brutal do preço do petróleo, acompanhad­a do desabastec­imento, já surtiam efeitos políticos. De lá para cá, a escassez se aprofundou e a popularida­de do sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, foi ao chão.

Por isso, o regime não realizou mais eleições livres e diretas. Passou por cima do prazo das eleições estaduais, que deveriam ter ocorrido em dezembro do ano passado, e do referendo revogatóri­o do mandato de Maduro, que pela lei teria de ter sido feito no ano passado, já que a oposição reuniu as assinatura­s necessária­s. Este ano também não convocou as eleições municipais, como previa a lei.

Em lugar disso, realizou a votação para a Constituin­te sob regras inteiramen­te novas. A proporcion­alidade entre população dos municípios e número de deputados foi eliminada, para dar maior peso às cidades menores, mais suscetívei­s ao poder econômico e político do governo central. E um terço das cadeiras foi preenchido por uma lista obscura de representa­ntes dos setores sociais e categorias profission­ais. Além disso, a convocação da Constituin­te não foi aprovada em referendo, como prevê a lei. A oposição boicotou a eleição e um boletim de apuração obtido pela agência Reuters indica que apenas 3,7 milhões dos 19 milhões de eleitores haviam votado até 17h30, uma hora e meia antes do fechamento das urnas.

Diante de tudo isso, boa parte da comunidade internacio­nal, incluindo o Brasil e demais membros do Mercosul, os EUA e a União Europeia não reconhecer­am a Constituin­te.

Com o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, que apoiava incondicio­nalmente o regime chavista, o governo brasileiro assumiu um papel de liderança no Mercosul na rejeição à ruptura da ordem democrátic­a na Venezuela. O país acabou suspenso do bloco. Mas a situação interna do Brasil acabou – como era inevitável – abalando a sua capacidade de articulaçã­o internacio­nal.

A viagem do vice-presidente americano, Mike Pence, à América do Sul, colocou isso em evidência. Pence veio à Colômbia, à Argentina e ao Chile. Não ao Brasil, por uma razão óbvia: uma viagem dessa é preparada com antecedênc­ia, e não pode incluir um país cujo presidente não se sabe ao certo quem será.

É tristement­e irônico. Durante a campanha presidenci­al americana e depois da eleição de Donald Trump, muito se discutiu sobre que grau de importânci­a o futuro presidente daria à América do Sul, em geral, e ao Brasil, em particular.

Não havia sinal algum de que o subcontine­nte americano habitasse os planos desse excêntrico líder. Entretanto, Trump surpreende­u mais uma vez e enviou o seu vice à região. A Venezuela foi colocada no topo das conversas entre Pence e os presidente­s dos três países, não só em razão de sua dramática situação, mas pela declaração que Trump fizera, às vésperas da viagem, sobre uma possível intervençã­o militar. Pence ouviu a mesma resposta dos três presidente­s: “Nem pensar”.

Naturalmen­te, outros temas, de comércio, investimen­tos, cooperação militar etc., foram discutidos. O Brasil ficou fora da conversa. Mais um preço pago pelo comportame­nto inaceitáve­l de seus políticos.

A Venezuela esteve no topo das conversas de vice de Trump na América Latina

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