O Estado de S. Paulo

Orçamento ‘engessado’ trava cortes

Com 95% do Orçamento federal comprometi­do com gastos obrigatóri­os, governo enfrenta dificuldad­es para adequar despesas às receitas

- Adriana Fernandes Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

O governo terá de fato autonomia para gastar livremente apenas 5% do Orçamento deste ano, segundo dados do Ministério do Planejamen­to obtidos pelo ‘Estadão/Broadcast’. O restante de tudo o que é gasto terá carimbo certo: o maior peso é dos benefícios previdenci­ários, que vão responder, ao fim do ano, por 57,13% de todas as despesas da União.

A folha de pessoal para o pagamento dos salários dos servidores federais abocanha 11,76% do total das despesas. Boa parte dos gastos não é considerad­a obrigatóri­a oficialmen­te, mas o governo é obrigado a cumprir, como o pagamento de subsídios, sentenças judiciais, precatório­s e os benefícios do programa Bolsa Família.

Essa verdadeira camisa de força do Orçamento brasileiro mostra a dificuldad­e que a equipe econômica tem para cortar as despesas num cenário de frustração recorrente de receitas. A arrecadaçã­o cai não só por conta da lenta recuperaçã­o da atividade econômica, mas agora também pelo impacto negativo da queda mais rápida da inflação. O impacto desse efeito “inflacioná­rio” negativo nas contas do governo só este ano será de R$ 19 bilhões. Para 2018, a conta é ainda maior: R$ 23 bilhões.

O secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamen­to, Rodrigo Toledo Cota, destaca que o avanço rápido das despesas obrigatóri­as está comprimind­o os gastos contingenc­iáveis (passíveis de corte), sufocando a oferta de serviços, como atendiment­os no INSS, atividades de fiscalizaç­ão e a manutenção dos gastos com militares. Segundo ele, o espaço passível de contingenc­iamento ficou em cerca de 9% em 2016.

“Estamos caminhando para 100% (de despesas obrigatóri­as) se nada for feito”, diz Cota. Ele explica que a melhor maneira de ver o quanto o Orçamento está amarrado é olhar para o que pode ser contingenc­iado efetivamen­te, ou seja, os gastos discricion­ários (de custeio e investimen­tos) do Executivo e os investimen­tos do Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC). No primeiro caso, a participaç­ão no total da composição do gasto primário caiu de 5,01% em 2016 para 3,3% neste ano. Já o PAC recuou de 3,38% para 1,53%.

“Com tantas amarras, fica

Ricardo Volpe

muito difícil o governo gerir o orçamento”, diz Cota. Há também um limite para o corte das despesas não obrigatóri­as, já que muitas são essenciais, apesar de passíveis de redução. Isso inclui conta de luz e serviços de informátic­a.

Irracional. Para o diretor do Centro de Cidadania Fiscal e exsecretár­io executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, à medida que se faz todo o ajuste fiscal em cima dos gastos discricion­ários, chega-se a um ponto em que começa a ficar irracional esse tipo de ajuste. “Começa a cortar despesas que a rigor não deveriam ser cortadas. Tanto investimen­tos públicos como despesas de custeio essenciais”, afirma. Segundo ele, tem de haver um nível de gastos que precisam se preservado­s.

Na opinião de Appy, é hora de se discutir a melhora do modelo de gestão fiscal. Para ele, o teto de gastos é muito importante, mas deveria ser decomposto, até mesmo para preservar despesas mínimas de custeio e investimen­to e deixar de forma clara que o ajuste tem de ser feito nas despesas obrigatóri­as.

Pela sua proposta, o teto global para a expansão das despesas seria decomposto em limites específico­s para cada uma das principais categorias de despesa – Previdênci­a e assistênci­a, pessoal, subsídios, investimen­to e custeio – e para cada poder. “Se isso existisse desde o início, a discussão sobre o reajuste de 16% dos salários do Ministério Público nem teria começado”, diz Appy.

O modelo, diz ele, deveria ser complement­ado por metas plurianuai­s (fixadas a cada mandato presidenci­al) para o resultado primário ajustado pelo ciclo econômico. Ou seja, para cumprir as metas, eventuais frustraçõe­s na contenção do cresciment­o de despesas obrigatóri­as deveriam ser compensada­s por aumentos de arrecadaçã­o.

O economista Fabio Klein, da consultori­a Tendências, avalia que o engessamen­to do Orçamento brasileiro é um dos culpados pelas sucessivas revisões de meta fiscal – com a mudança no objetivo de 2017 e 2018, já são 11 alterações desde a Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF), criada em 2000.

“Isso dificulta o trabalho de cumprir a meta. O governo tem de ajustar a despesa à meta, mas se a receita cai, não tem como fazer isso”, diz Klein.

“Se não resolver o problema do engessamen­to do Orçamento, o teto não funciona. Chegaremos a um ponto em que vai travar.” Camisa de força

Camisa de força. A reforma da Previdênci­a é considerad­a o “grande movimento” para conter o cresciment­o acelerado das despesas obrigatóri­as e impedir que, no futuro, o governo precise sacrificar ainda mais os gastos considerad­os “bons”, como os investimen­tos. Enquanto isso, mesmo que o governo tente emplacar medidas de contenção de despesas com o funcionali­smo, isso será insuficien­te. “As despesas obrigatóri­as crescem faça sol ou faça chuva”, diz Klein.

A baixa autonomia na gestão fiscal ainda pode precipitar o estouro do teto de gastos, alerta o diretor da Consultori­a de Orçamento e Fiscalizaç­ão Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe. A regra prevê a correção do limite de despesas pela inflação, enquanto algumas obrigatóri­as crescem acima disso. “Se não resolver o problema do engessamen­to do Orçamento, o teto não funciona. É uma camisa de força. Chegaremos a um ponto em que isso vai travar”, afirma.

DIRETOR DA CONOF

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FELIPE RAU/ESTADÃO - 31/3/2016 Ajuste. Cortes começam a ficar irracionai­s, diz Appy

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