O Estado de S. Paulo

Mudança na meta fiscal reabre discussão sobre modelo de cálculo

Resultado fiscal que deixa de fora do cálculo o pagamento dos juros da dívida é uma exceção no mundo

- Lorenna Rodrigues Eduardo Rodrigues

A proposta apresentad­a ao Congresso Nacional pelo governo Michel Temer de mudar pela 11.ª vez a meta fiscal – ou seja, a conta das receitas e despesas – brasileira reacendeu o debate sobre a rigidez e a eficácia dos objetivos perseguido­s pela gestão fiscal no País. De um lado, economista­s apontam que o modelo é, hoje, quase uma jabuticaba: praticamen­te apenas o Brasil adota uma regra de atingir um resultado antes do pagamento dos juros da dívida, o chamado superávit (ou déficit) primário.

Para cumprir essas metas, são feitos bloqueios de despesas, que são congeladas e liberadas ao longo do ano, a depender da realização das receitas. Com isso, o governo acaba se compromete­ndo com números que podem não se realizar por diversos fatores e segue preso a uma gestão fiscal de curto prazo.

Mesmo assim, especialis­tas dizem que qualquer discussão hoje no Brasil sobre o abandono ou a flexibiliz­ação da meta de primário teria reações muito negativas no mercado, sobretudo nas agências de classifica­ção de risco, até mesmo porque exigiria mudanças na Lei de Responsabi­lidade Fiscal.

Países. O mais comum, principalm­ente em países desenvolvi­dos, é que a gestão fiscal seja feita de olho no resultado nominal (já consideran­do o pagamento de juros) e no tamanho da dívida. Por esse critério, o rombo brasileiro seria de R$ 607,5 bilhões nos 12 meses terminados em junho – ou 9,5% do PIB brasileiro. Só de juros, o Brasil pagou R$ 440,3 bilhões nesse período.

Muitos países perseguem metas múltiplas e têm instrument­os de escape que possibilit­am flexibiliz­ar essas metas em casos de recessão ou choques na economia. “Depois da crise, a maior parte dos países flexibiliz­ou o regime fiscal e avançou em prestação de contas. A razão para essa tendência é que ficou clara a dificuldad­e em cumprir metas de curto prazo mediante recessões significat­ivas”, diz o pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires.

O economista-chefe do Banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, acredita, no entanto, que o Brasil hoje não teria “menor possibilid­ade” de flexibiliz­ar o sistema de metas fiscais ou trocar o objetivo de resultado primário por outra métrica, como, por exemplo, mirar apenas um determinad­o nível de dívida na proporção do PIB.

O economista pondera que países como a Alemanha, o Reino Unido, os Estados Unidos e o Japão têm ativos seguros a ponto de aumentarem suas dívidas sem pressionar a taxa de juros ou compromete­r o cresciment­o econômico. “Mas outras economias avançadas, como a Espanha e a Itália, não têm essa tolerância a níveis elevados de dívida. O Brasil e outras economias emergentes estão nesse grupo”, disse.

Kawall avalia que a importânci­a da meta de primário está em mostrar a direção do endividame­nto nos anos à frente. “O problema é menos o nível e mais a tendência da dívida”, enfatizou. “Quem leva o ajuste fiscal a sério sabe que não podemos abrir mão da meta de primário.”

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