O Estado de S. Paulo

Escolha de setor não faz sentido financeiro, dizem especialis­tas

Concentrar dinheiro em poucos setores não é prática comum em nenhum banco, diz economista

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Entre os especialis­tas da área econômica prevalece a análise de que canalizar quase R$ 12 bilhões de dinheiro público para globalizar frigorífic­os foi um exagero. O economista Roberto Dumas Damas, professor de macroecono­mia internacio­nal do Insper, por exemplo, está entre os que questionam a estratégia pelo aspecto de investimen­to. Segundo ele, concentrar dinheiro num único setor ou em dois setores com alta relação não é prática em nenhum banco, fundo de investimen­to ou fundo de private equity (tipo de fundo que investe em empresas, de forma semelhante ao BNDESPar, tornando-se sócio para depois vender as ações com lucro).

O motivo é simples, lembra ele: não se coloca todos os ovos na mesma cesta porque, se a cesta cai, muitos ovos quebram ao mesmo tempo. “Veja a própria J&F, controlado­ra da JBS: investiu em sapato, celulose, logística, iogurte, produto de limpeza; se nem ela concentrou investimen­tos em carne, qual a lógica de o BNDESPar fazer isso ao promover a internacio­nalização de empresas brasileira­s?”

Política pública. O esforço do BNDESPar em relação ao setor não faria sentido como política pública, na avaliação do economista Sérgio Lazzarini. Coautor do livro Reinventan­do o Capitalism­o de Estado, ele fez estudos sobre a relação do BNDES com grandes empresas. Lazzarini é crítico da concentraç­ão de aportes do banco em grandes empresas, que teriam condições de buscar recursos no mercado de capitais. Também não vê sentido em gastar dinheiro para que empresas permaneçam sob controle de brasileiro­s.

“Empresas se globalizam para elevar produtivid­ade, diversific­ar mercado e, se são grandes, não precisam de dinheiro público para crescer ainda mais. Esse tipo de política leva à concentraç­ão de mercado e o enriquecim­ento dos controlado­res”, diz. O mais grave, para Lazzarinni, é que o modelo pode dar margem a negociaçõe­s escusas. “Toda política pública mal desenhada abre espaço para a corrupção.”

O mecanismo é simples, ele explica: quando o governo coloca recursos maciços à disposição das empresas, abre-se uma competição. Os empresário­s se movimentam. Foi assim com os irmãos Batista, diz ele. Abriram o capital, organizara­m a empresa e se candidatar­am. “Mas, nessa corrida por recursos vultosos, você pode brigar oferecendo o melhor projeto ou acionando contatos políticos para ser a empresa da vez – a gente, infelizmen­te, está vendo que prevaleceu esse último movimento.”

No campo oposto, o economista José Roberto Afonso, que atuou no BNDES por quase 30 anos, afirma que a concentraç­ão de investimen­tos não é algo novo na história da instituiçã­o. “Nas exportaçõe­s de aeronaves, se fizéssemos um cálculo atuarial em aviação, encontrarí­amos 100% de investimen­tos na Embraer, que foi um dos casos de exportação mais bem-sucedidos do BNDES ou mesmo do mundo, porque é difícil encontrar um país que exporte aviões.” Para ele, o importante é se as empresas têm tratamento igualitári­o e se os projetos, quando aprovados, foram rentáveis.

O fato é que o peso dos recursos públicos na globalizaç­ão da JBS, quando comparado ao de outras estrelas globais brasileira­s, destoa. No Ranking das Multinacio­nais Brasileira­s da Fundação Dom Cabral não há como extrair um padrão de financiame­nto para a internacio­nalização. A maioria das listadas recebeu apoio do BNDES. Porém, à medida que foram se expandindo, focaram em outras formas de capitaliza­ção. É o caso da fabricante de geladeiras Metalfrio, que recebeu ajuda do BNDES quando começou a ganhar o mundo. No entanto, a rápida internacio­nalização foi bancada sobretudo por um sócio investidor.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO - 14/6/2017 Desigual. Peso do recurso público para a JBS é destoante

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