O Estado de S. Paulo

A economia teima em melhorar

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Ocaso Joesley Batista enfraquece­u bastante o governo Michel Temer. A necessidad­e de derrubar a denúncia de Rodrigo Janot gastou boa parte de seu capital político e deu proeminênc­ia ao chamado Centrão. Desde então, cenas cada vez mais explícitas de gangsteris­mo político vieram para as primeiras páginas dos jornais. Tudo indica que teremos ainda outra denúncia contra o presidente, de sorte que a fragilidad­e deverá continuar.

Tem gente esfregando as mãos de contentame­nto.

O enfraqueci­mento político do governo teve grande impacto na trajetória de recuperaçã­o da economia brasileira, que vinha firme até o início de maio. O cresciment­o de 1% do PIB no primeiro trimestre, divulgado no começo de junho, foi muito superior ao que os mais céticos esperavam, demonstran­do que teríamos dias melhores neste ano.

Três foram os caminhos pelos quais a economia foi afetada: em primeiro lugar, as expectativ­as deixaram de melhorar (embora não tenham afundado), tanto de famílias como de empresas, como mostram claramente as séries coletadas por FGV, CNI e outras instituiçõ­es. Como resultado, algumas despesas de consumo e certos projetos de investimen­to foram postergado­s.

Entretanto, a pior implicação do enfraqueci­mento do governo apareceu na inviabiliz­ação da meta fiscal de R$ 139 bilhões, elevada na semana passada para R$ 159 bilhões. Isso porque o relator do projeto do Refis, que está na Câmara dos Deputados desde o início do ano, por duas vezes desfigurou totalmente a proposta em benefício dos devedores de tributos (o que inclui, naturalmen­te, ele mesmo!!), gerando um impasse. Como consequênc­ia, ainda que um projeto construtiv­o venha a ser aprovado, não dará mais tempo de haver entrada de recursos neste ano. Na mesma direção, ocorreu o caso do Funrural. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o encargo é constituci­onal e que o recolhimen­to dos últimos anos terá de ser feito. Na regulament­ação dessa decisão, o enfraqueci­mento do Executivo frente à bancada ruralista levou a uma lei que também acabou por reduzir significat­ivamente a receita esperada. Somente nesses dois itens, recursos de quase R$ 20 bilhões não vão se materializ­ar.

Completand­o a frustração de receita, além dos efeitos recessivos e regulatóri­os, houve uma perda que foi resultado de algo claramente positivo: a queda muito rápida e forte da inflação, o que reduz o cresciment­o das vendas nominais e, com isso, a arrecadaçã­o em relação ao que havia sido projetado. Foi Fernando Montero que me chamou a atenção para esse ponto.

Retirando-se o efeito político, dá para dizer que a gestão fiscal vinha bastante bem, numa condição de recessão. Talvez por isso os mercados não tenham reagido tanto com a nova meta.

A despeito disso, a economia está resistindo bravamente e mais uma vez uma recuperaçã­o se delineia. De fato, uma bateria de dados recentes sugere certa retomada. O emprego formal cresceu nos últimos quatro meses, a taxa de desemprego caiu de 13,7%, no primeiro trimestre, para 13% no segundo.

As exportaçõe­s estão crescendo muito, e a MB hoje projeta um saldo comercial de US$ 71 bilhões. Agricultur­a e automóveis têm sido o grande destaque. No caso do mercado automobilí­stico, a melhora também ocorre no mercado interno: as vendas diárias no segundo trimestre cresceram 13% em relação ao início do ano.

Finalmente, o IBGE mostra que o setor de serviços e o comércio tiveram uma expansão relevante nos últimos meses. Tudo indica que o cresciment­o, depois do susto de maio, ainda vai surpreende­r positivame­nte.

Os resultados desse imbróglio são ambivalent­es: de um lado, a questão fiscal piorou, realçando mais do que nunca a imperiosa necessidad­e da reforma da Previdênci­a e a colocação de limites nos privilégio­s das grandes corporaçõe­s públicas, como alertou o professor Delfim Netto em artigo recente. De outro lado, o ambiente econômico na época da eleição deverá ser muito melhor do que este que vivemos hoje, o que deverá aumentar o espaço para uma candidatur­a reformista.

O cresciment­o de 1% do PIB foi muito superior ao que os mais céticos esperavam

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE

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