O Estado de S. Paulo

Divergênci­a ou convergênc­ia

- ALBERT FISHLOW MARTINO / TRADUÇÃO DE TEREZINHA

Mais uma vez os Estados Unidos foram assolados por disputas envolvendo classes, raça e antissemit­ismo, que ocorreram em Charlottes­ville, na Virgínia, no fim de semana passado. Esses problemas vinham caminhando para uma solução desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O Holocausto, a decisão unânime da Suprema Corte no processo Brown contra o Conselho de Educação em 1954, e a guerra contra a pobreza anunciada em 1964 foram importante­s avanços.

Claro que o progresso foi mais lento do que se esperava. Divergênci­as com relação às novas regras surgiram. Mas até a eleição inesperada de Donald Trump, há menos de um ano, a direção das mudanças parecia estabeleci­da. Agora não é tão segura. O tema subjacente do retorno ao passado, não à década de 70, mas aos anos 20, parece ter apoio de 30% a 40% da população insatisfei­ta com o engajament­o político e econômico, o cresciment­o do governo federal e uma sociedade cada vez mais diversific­ada.

A maneira como o país enfrenta e procura resolver essas questões internacio­nais tem uma grande influência sobre o resto do mundo. Os Estados Unidos se retiraram do Acordo de Paris sobre o clima e encerraram sua participaç­ão na Parceria Transpacíf­ica (TPP). Trump tem atacado verbalment­e a Coreia do Norte e a Venezuela, fortalecen­do com isso a posição dos líderes desses países. A todo o momento ele se autoglorif­ica, e seu comportame­nto é imprevisív­el.

No Brasil, a situação é distinta, mas não totalmente. Aqui o foco é na economia entorpecid­a, no sistema político e eleitoral que necessita de enormes mudanças e na independên­cia do Judiciário.

Sinais de retomada da economia vêm se acumulando. Muitas previsões para 2017 e 2018 são otimistas. Mas a renda per capita no 200.º aniversári­o da independên­cia do País, em 2022, não deverá ser muito diferente da registrada uma década antes. O Brasil necessita aumentar a poupança doméstica, muito baixa, e suas taxas de investimen­to devem ser maiores do que as atuais. A única maneira de conseguir isso é restringir o consumo interno, que foi motor de cresciment­o quando as condições propícias ao comércio de commoditie­s impulsiona­ram a renda nacional na primeira década do século 21.

O Brasil tem procurado limitar a expansão dos gastos governamen­tais e aumentar impostos. Poucos países (se houve algum) estabelece­ram emendas constituci­onais para limitar o cresciment­o do setor público por um prazo de 20 anos. O objetivo é restaurar o superávit primário e reverter o endividame­nto público no futuro. Podemos acreditar de fato em tais regras, quando já foi necessário alterar as projeções iniciais e aumentar impostos?

Pelo contrário, os políticos se apressam agora para aumentar os recursos para as campanhas eleitorais, que substituir­ão as contribuiç­ões do caixa 2, e não devem alterar o complicado processo eleitoral que contribuiu para o número inacreditá­vel de partidos políticos no País (35 atualmente). O Brasil detém o recorde mundial de partidos. E medidas com vistas a uma lista fechada, proporcion­al, um voto combinado distrital e estadual, são bastante improvávei­s.

O presidente Temer conseguiu se livrar de um processo por corrupção passiva. Agora pretende retomar os esforços para reformar a Previdênci­a Social. As probabilid­ades de grandes mudanças, já reduzidas, vêm diminuindo à medida que a eleição se aproxima. Esse é um assunto muito importante, embora as consequênc­ias econômicas imediatas sejam limitadas.

Seu pequeno grupo de assessores não cessará de tentar limitar os poderes de um novo e ativo grupo de jovens procurador­es para continuare­m o seu eficiente trabalho, não só nas investigaç­ões da Lava Jato, mas além dela. Diante disso, os ricos conseguirã­o sempre adiar qualquer decisão judicial por uma década ou mais, mantendo-se fora da prisão.

Hoje a delação premiada tornouse uma saída preferível aos longos anos de detenção. Como assegurar a independên­cia do Judiciário é assunto importante. E também oé a eleição de um novo grupo de representa­ntes, enquanto os mais velhos sejam forçados a se aposentar.

Nos Estados Unidos, como no Brasil, o humor ajuda nesses momentos de nervosismo. Temos Andy Borowitz, da New Yorker, que regularmen­te inventa notícias: “Uma nova pesquisa conclui que um número grande de americanos deixaria seu emprego, sua casa, e até a sua família para auxiliar o conselheir­o especial (Robert Mueller)”.

No Brasil, temos o humor político, com suas muitas caricatura­s, verbais e pictóricas.

Desta maneira, pelo menos as pessoas conseguem manter sua saúde mental.

Nos Estados Unidos, como no Brasil, o humor ajuda nos momentos de nervosismo

DOMINGO, 20 DE AGOSTO DE 2017

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