O Estado de S. Paulo

O FAT e o Santo Subsídio

Os empréstimo­s do FAT para o BNDES envolvem um volume elevado de subsídios que têm hoje seu destino decidido por algum burocrata

- MANSUETO ALMEIDA

Recentemen­te, o governo federal propôs a substituiç­ão da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP). A TJLP é uma taxa fixada de forma discricion­ária por três ministros de Estado no Conselho Monetário Nacional (CMN), enquanto a TLP seria uma taxa de juros de mercado equivalent­e à inflação mais a taxa de juros real paga pelo Tesouro Nacional nos seus títulos com correção monetária e vencimento de cinco anos (NTN-B).

Com essa mudança, os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT) e os empréstimo­s do Tesouro Nacional ao Banco de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) passarão a ser remunerado­s pela TLP, bem como a remuneraçã­o do Fundo da Marinha Mercante (FMM).

Um dos benefícios dessa mudança é a maior transparên­cia na concessão dos subsídios nas operações de empréstimo­s para o BNDES e do banco para empresas. Por exemplo, cada R$ 1 que o FAT empresta ao BNDES é hoje remunerado pela TJLP, que, por ser uma taxa de juros inferior ao custo de captação do Tesouro Nacional, gera um subsídio implícito que foi de R$ 70 bilhões no acumulado de 2011 a 2016.

Subsídio implícito ocorre sempre que o Tesouro empresta recursos de impostos, contribuiç­ões ou do aumento da dívida a uma taxa de juros inferior a seu custo de endividame­nto. No caso do FAT, apenas o recurso

que é emprestado ao BNDES e a outros programas de financiame­nto entram no cálculo do subsídio implícito.

Esse cálculo do subsídio independe da boa ou má vontade do órgão responsáve­l por sua apuração. Isso é uma exigência do dispositiv­o constituci­onal (Art. 165, § 6.º) que determina que o Projeto de Lei Orçamentár­ia Anual (PLOA) seja acompanhad­o do demonstrat­ivo de benefícios financeiro­s e creditício­s, contendo os subsídios concedidos pela União a fundos e programas governamen­tais.

Essa metodologi­a está definida desde 2006, Portaria MF n.º 379, que foi posteriorm­ente atualizada pela Portaria n.º 57 do Ministério da Fazenda, de 27 de fevereiro de 2013, em cumpriment­o ao Acórdão n.º 3.071/2012 do Tribunal de Contas da União (TCU).

Custo. No entanto, alguns economista­s afirmam de forma categórica que empréstimo­s do FAT ao BNDES não têm custo algum e, logo, não haveria subsídios, porque 40% das contribuiç­ões para o PIS/Pasep, que são as principais fontes de recursos do FAT, teriam de ser, necessaria­mente, emprestada­s ao BNDES.

De acordo com esse raciocínio (ultra) heterodoxo e tortuoso, a redução da remuneraçã­o dos recursos do trabalhado­r depositado­s no FGTS de TR + 3% ao ano para “zero” não teria custo algum para o trabalhado­r porque a lei exige que os recursos fiquem depositado­s no FGTS e que sejam remunerado­s por uma taxa definida em lei. Vale isso, Arnaldo?

É preciso ter claro nesse debate alguns pontos. Primeiro, ao contrário dos empréstimo­s do FAT ao BNDES, as transferên­cias constituci­onais dos impostos para os Fundos Constituci­onais Regionais de Financiame­nto e o uso que se faz desses recursos dão origem a déficit ou superávit primário que aparece no resultado primário do Tesouro Nacional e estão incluídos no limite de despesa do Novo Regime Fiscal (emenda do teto dos gastos).

Segundo, os subsídios ao setor agrícola são programas de equalizaçã­o de taxa de juros, que são subsídios explícitos, discutidos anualmente no debate orçamentár­io e sujeitos ao limite de despesa do Novo Regime Fiscal e também afetam o resultado primário do Tesouro Nacional.

Terceiro, as operações subsidiada­s de financiame­nto habitacion­al têm seus subsídios calculados na contabilid­ade do FGTS, que é patrimônio do trabalhado­r e não um recurso público do Orçamento. Por esse motivo, esses subsídios não estão no levantamen­to que o Ministério da Fazenda faz dos benefícios financeiro­s e creditício­s, segundo metodologi­a discutida e aprovada pelo TCU.

Quarto, os recursos do FAT são recursos orçamentár­ios mas os subsídios na relação FAT-BNDES não estão sujeitos ao limite da despesa do Novo Regime Fiscal nem são considerad­os na definição do resultado primário, apesar de os subsídios existirem.

A verdade é que faz uma enorme diferença para o retorno dos empréstimo­s do FAT ao BNDES e, logo, para disponibil­idade de recursos do FAT para pagar seguro-desemprego e abono salarial se esses empréstimo­s são remunerado­s a “zero” por cento ao ano, 7% ao ano (TJLP) ou 8% ao ano (TLP). Na contabilid­ade (ultra) heterodoxa de alguns economista­s, essas três taxas são iguais porque a Constituiç­ão assim determina. Mas a Constituiç­ão não faz tamanha heresia, ela apenas determina que 40% da arrecadaçã­o anual do FAT seja emprestada ao BNDES.

Ao que parece, existem algumas pessoas bem intenciona­das que, por convicção ou não, resistem em trazer para o Orçamento o debate transparen­te e democrátic­o sobre o volume e alocação dos subsídios da relação do FAT, FMM e do Tesouro com o BNDES. Essa maior transparên­cia acontecerá com a aprovação da TLP, o que é positivo.

Os empréstimo­s do FAT para o BNDES à TJLP envolvem um volume elevado de subsídios que têm hoje seu destino para setores e empresas decidido à margem do Orçamento por algum burocrata ou grupo de burocratas.

Podemos ter esse debate sem precisar revogar conceitos básicos de economia e sem o receio de que a maior transparên­cia possa remover os supostos “efeitos miraculoso­s” do santo subsídio no cresciment­o da economia, que alguns insistem em acreditar.

SECRETÁRIO DE ACOMPANHAM­ENTO ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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NACHO DOCE/REUTERS-11/1/2017 Defesa. Substituiç­ão da TJLP pela TLP deve dar maior transparên­cia aos empréstimo­s do BNDES para empresas

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