O Estado de S. Paulo

A voz grave que canta com a alma

Triz, cantor de gênero neutro, explode na web com rimas que falam sobre amor, preconceit­o e descoberta

- João Paulo Carvalho

Em uma imponente casa da região da Lapa, na zona oeste de São Paulo, Triz não tem nenhuma pressa para se levantar do aconchegan­te sofá da sala do amigo Cesar Gananian. Sem jeito, dá alguns passos em direção às escadas e sugere o andar superior para conversar com a reportagem do Estado numa fria e chuvosa manhã de quarta-feira, dia 9 de agosto.

A potência da voz grave de Triz, de apenas 18 anos, assusta. “O preconceit­o não te leva a nada. Não seja mais um babaca de mente fechada. Porque o ódio mata. Só o amor sara. De qual lado você vai ficar?”, diz o refrão de Elevação Mental, que foi cantada a capela no intervalo do bate-papo. O vídeo da canção já tem quase 3 milhões de visualizaç­ões no YouTube em menos de um mês.

O musicista que explodiu na internet nas últimas semanas chama a atenção pelas letras inteligent­es. O visual inspirado em Bob Marley, seu maior ídolo, com roupas largas e dreadlocks no cabelo, também. Triz é um transexual do gênero não binário, ou seja, ele – como prefere ser chamado – não se identifica nem como homem nem como mulher. “Existem transbinár­ios (que se identifica­m com homem ou mulher) e trans não binários (que não se idêntica com nenhum dos dois gêneros). Ser homem ou mulher não está na carcaça, ou seja, no corpo humano, mas na nossa cabeça. Isso você pode mudar no bisturi. Minha mente não é a de uma mulher e também não é a de um cara. Embora tenha vagina, nunca me considerei menina. Eu não me reconheço como mulher e muito menos como homem”, declara.

Nascido e criado na periferia de São Paulo, no bairro de Jardim Pedreira, próximo a Diadema, Triz começou a cantar na igreja evangélica. Foi justamente lá que conheceu a música. Pouco tempo depois, se matriculou no curso de violão. Aprendeu a cantar e tocar os hinos pentecosta­is e se destacava das outras crianças.

Apesar do aprendizad­o, algo, entretanto, não ia bem. Triz não se sentia confortáve­l. Aquilo, de alguma forma, o incomodava. “Minha avó, que cuidou de mim a vida toda, era quem pagava o curso. Depois que ela faleceu, consegui uma bolsa. Fiquei mais ou menos 3 anos tendo aula. Todavia, não dava mais para cantar e tocar coisas religiosas. Aquele não era meu mundo. Foi o começo da minha libertação”, lembra.

Desde os 7 anos, Triz tinha verdadeira repugnânci­a pelo feminino. Abolia todas as formas, digamos, delicadas, de tratamento. Queria brincar com os meninos, que a rejeitavam no colégio. Triz também não se encaixava nos moldes pré-fabricados do “azul viril”. As roupas, a imposição machista, tudo: ele queria se libertar.

Ao mesmo tempo, no entanto, não entendia o que estava acontecend­o. Sentia-se estranho, fora dos padrões de gênero e à margem de tudo e todos. “Demorei para me reconhecer como trans não binário. Tive de me informar muito e ir atrás de várias coisas. Senti falta de informação especializ­ada. Quando finalmente entendi, assumi minha sexualidad­e, escrevi um textão no Facebook e decidi me assumir para o mundo. Nunca gostei do meu corpo, das minhas roupas. Um belo dia falei: f... Vou me vestir do jeito que acho melhor. Não tem essa de masculino e feminino. Vou usar o pano que eu quiser, da maneira que acho melhor”, acrescenta.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Estreia. Artista ainda prepara seu álbum de estúdio

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