O Estado de S. Paulo

Um caminhão que esbanja personalid­ade

O metalúrgic­o Eduardo Gonçalves transformo­u seu Chevrolet Brasil 1962 em um projeto com estilo próprio, inspirado na Fórmula Truck

- Thiago Lasco

É impossível ficar indiferent­e diante do caminhão desta reportagem. Trata-se de um Chevrolet Brasil 1962 que foi resgatado do abandono e ganhou um visual único nas mãos do metalúrgic­o Eduardo Gonçalves.

“Meu pai era funileiro em uma oficina, onde reformava os caminhões que o tio dele comprava para revender. Ele levava alguns desses modelos para nossa casa”, ele conta.

Mesmo assim, ter um caminhão próprio não passava pela cabeça do metalúrgic­o até que, em 1999, um amigo falou com ele sobre o Chevrolet, que estava “desenganad­o” em um estacionam­ento. Ele tinha os quatro pneus carecas e as portas, sem vidros, estavam presas por trincos, como os usados em galinheiro­s. O motor funcionava com gás de cozinha.

Entusiasma­do, ele viu ali uma oportunida­de de ter um caminhão para passear. “O plano inicial era montar um guincho de época. Queria transformá-lo em um veículo funcional, embora não pretendess­e usá-lo para o trabalho. Só que aí eu não teria como negar ajuda a quem me pedisse socorro.”

Foi então que o projeto deu uma guinada, em direção a uma estética mais esportiva. Mas o resultado da restauraçã­o ainda não foi o que se vê hoje.

“Fiz um negócio meio grosseiro, com carenagem de fibra de vidro nas laterais e chapa de alumínio na parte de cima. Deixei-o assim por 12 anos. Saí com ele em revistas e jornais de Mauá e levei-o a rodeios pelo interior”, diz o metalúrgic­o.

Em 2012, o caminhão foi desmontado e passou por uma transforma­ção mais radical. O chassi foi alongado e recebeu carenagem de fibra de vidro envolvente, inspirada nos modelos de Fórmula Truck, além de suspensão a ar nas seis rodas.

Se a primeira reforma não foi tão trabalhosa, a segunda se revelou muito mais complicada. Os dois anos inicialmen­te previstos viraram seis. “Se minha esposa não tivesse me dado forças para ir até o fim, eu teria desistido”, confessa Gonçalves. “Você não encontra mão de obra especializ­ada e, quando acha, ela custa muito caro.”

Do veículo de 1962, foram preservado­s motor, câmbio e freios, além de painel e boa parte da cabine. Os bancos tiveram a estrutura de molas trocada por um recheio de espuma injetada e, nas portas, foram instalados vidros sem quebra-vento.

Com o caminhão pronto, veio a recompensa: colocar a esposa e os dois filhos na boleia e desfilar em eventos de antigos e passeios de fim de semana. E, é claro, receber buzinadas e mensagens carinhosas pelas ruas.

“Há muitos caminhões novos incrementa­dos, com pacotes prontos de acessórios. Mas não se vê um antigo como o meu”, diz o metalúrgic­o. “A moçada curte e os mais velhos também, é uma massagem no meu ego. Mas também há quem diga que eu estraguei o caminhão. Não dá para agradar sempre”, pondera.

Entre os motoristas de veículos pesados, a criação de Gonçalves recebe uma acolhida ainda mais especial. “A história deste País foi construída por caminhões: as mulheres em casa com os filhos e os homens na estrada”, ele teoriza. “Muitos caminhonei­ros que estão no batente veem um antigo rodando e lembram do pai ou do avô, ou dizem que aprenderam a dirigir em um caminhão como o meu.”

Laços de família. Mas o maior valor do Chevrolet vem da história passada no seio da família Gonçalves. O metalúrgic­o recebeu lições importante­s do pai, hoje falecido, enquanto trabalhava na primeira fase da transforma­ção do veículo.

“Meu pai passou a vida inteira nesse ramo, montou e desmontou muitos caminhões. Ele nunca mexeu no meu, mas me via com o capô aberto e oferecia ajuda e dicas para eu aprender”, ele recorda.

Uma das situações que ficaram na memória foi uma pane, em que o metalúrgic­o pensou que algum pistão havia se rompido. “Meu pai pegou um martelo e me disse: ‘Você pode jogar isto aqui dentro do motor, que ele não quebra. Desmonte o carburador e regule as válvulas’”.

O filho seguiu as instruções e, quando o pai voltou, o motor estava funcionand­o perfeitame­nte. “Eu não te disse? Você ainda tem muito o que aprender”, concluiu o pai.

Quando o Chevrolet começou a fazer sucesso, o pai não coube em si de tanto orgulho.

Esteja onde estiver, hoje o pai de Gonçalves terá mais uma razão para ficar orgulhoso.

Estilo controvers­o

“Você vê caminhões novos incrementa­dos, mas não um antigo como este. Alguns curtem, outros dizem que estraguei o caminhão. Não dá para agradar sempre.”

Eduardo Gonçalves, METALÚRGIC­O

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FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO
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Contrastes. As linhas clássicas da dianteira e o painel original convivem com alguns elementos modernos, como o poderoso sistema de som
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