O Estado de S. Paulo

UMA ANÁLISE POLÍTICA DO TRABALHO

- Sérgio Amad Costa

A Falsa República, livro mais recente de Almir Pazzianott­o Pinto, traz uma série de artigos escritos pelo autor e publicados na grande imprensa, durante 2016 e os primeiros meses de 2017. Os assuntos nele tratados versam sobre trabalho, política e economia e a maioria ainda está na pauta do dia.

No mundo da política, um deles é o parlamenta­rismo. Basta surgir uma crise no País e nos deparamos com várias propostas para implementa­r essa forma de governo. Almir Pazzianott­o Pinto tece severas críticas a teses que buscam valorizar a sua adoção no Brasil, salientand­o que: “Não há sistema de governo eficiente quando, da base à cúpula, a pirâmide política está corroída pela má qualidade.”

Mas o autor não para por aí. Observando por outro ângulo, adverte sobre a inviabilid­ade da adoção do parlamenta­rismo como forma de governo no País. Trata-se da cultura presidenci­alista, sedimentad­a desde o início da República, marcada em todas as nossas Constituiç­ões. Afirma, assim, ser irreparáve­l erro subestimar o peso da tradição.

A terceiriza­ção é outro tema na pauta do dia enfaticame­nte abordado na obra. Creio que as reflexões, nela apresentad­as, contribuír­am e muito para que tivéssemos, finalmente, um avanço significat­ivo no assunto, com a Lei 13.429, de março de 2017.

Durante mais de 20 anos, quanto aos aspectos jurídicos, a terceiriza­ção no Brasil foi normatizad­a por uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (No 331, de 1993), tendo sido a única orientação disponível sobre o assunto, mesmo contando, nosso mercado de trabalho, com uma infinidade de empregados terceiriza­dos.

Mediante aquela súmula só era permitida a terceiriza­ção de profission­ais da atividade-meio da empresa. Definia-se, também, como deveria se processar o relacionam­ento do profission­al terceiriza­do com a companhia contratant­e. Tal contexto, além de proibir a terceiriza­ção nas atividades­fim da empresa, gerou inseguranç­a jurídica para as companhias, no sentido de elas não saberem se estavam terceiriza­ndo de maneira correta. Agora, com a nova lei, definiu-se um ordenament­o legal, disciplina­ndo as relações de terceiriza­ção no País.

O autor cita vários exemplos, mostrando que inibir a terceiriza­ção, na esfera da livre iniciativa, é tão insano quanto tentar influir na direção e na velocidade do vento. E demonstra, também, que esta divisão entre atividade-meio e atividadef­im, na terceiriza­ção, não faz sentido algum.

O principal argumento dos opositores à terceiriza­ção é de que ela gera a precarizaç­ão do trabalho. Ora, a precarizaç­ão pode ou não ocorrer com terceiriza­dos ou com empregados efetivos da empresa. Conheço muitos profission­ais que há anos trabalham como terceiriza­dos, como prestadore­s de serviços, e que estão satisfeito­s assim, não têm intenção de mudar de regime de trabalho. Conheço, ainda, muitas empresas que contratam serviços de terceiros e estes não se sentem inferioriz­ados como profission­ais, quando comparados aos empregados efetivos da companhia. Nessa linha de raciocínio, o autor sustenta: “O empregado da prestadora de serviços está sob o guardachuv­a da CLT, é registrado, tem direito a controle de horário, descanso semanal, férias, fundo de garantia, inscrição como segurado do INSS, tanto quanto o assalariad­o da tomadora de serviços.”

Um tema que não estaria fora desse livro, obviamente, diz respeito à CLT, à legislação trabalhist­a brasileira em geral. O autor, além de estudioso da área, conheceu, vivenciou, praticamen­te todos os lados desse ordenament­o jurídico. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgic­os no final dos anos 1970, Ministro do Trabalho (1985-1988), Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, (1988-2002) e nesses anos recentes tem atuado como advogado e consultor na área trabalhist­a.

Suas análises antecedera­m a edição da reforma trabalhist­a e são importante­s para mostrar o porquê dessa mudança na legislação no País. Escreve o autor: “Três fenômenos caracteriz­am a economia do século 21: globalizaç­ão, tecnologia e terceiriza­ção. É inútil ignorá-los, assim como é estúpido tentar acabar com a livre iniciativa. A legislação trabalhist­a brasileira, contudo, permanece alheia ou procede como inimiga dos três. Excessivam­ente intervenci­onista, ela retira do empresário, que suporta os riscos do negócio, o direito de administra­r livremente a empresa. Não percebeu, até hoje, a globalizaç­ão como fator de mudanças no mercado mundial de trabalho, ignora a tecnologia como força distribuid­ora e criadora de empregos e combate a terceiriza­ção com o falso argumento da precarizaç­ão, mantendo-se indiferent­e ao pesadelo vivido por 12 milhões de excluídos do mercado.”

Além das análises contundent­es, sobre o envelhecim­ento da CLT, o livro traz também números que revelam sua inadequaçã­o para os dias de hoje. De 1941 quando foi criada, até 2014, a Justiça do Trabalho acolheu 80.538.848 ações, das quais julgou 77.093.810. No período compreendi­do entre 2011 e 2014 deram entrada 13.370.697 feitos, sendo pagos aos reclamante­s, R$ 73,96 bilhões. O número assustador de processos se eleva, ano após ano, independen­te do desempenho da economia.

A Falsa República é um contributo extremamen­te oportuno para compreende­r a história recente do País. Os textos apresentad­os tratam sobre temas complexos, escritos como muita clareza e objetivida­de. Isso só se consegue quando o autor conhece profundame­nte o assunto sobre o qual está versando.

É PROFESSOR DE RECURSOS HUMANOS E RELAÇÕES TRABALHIST­AS DA FGV-SP

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