Caderno2
Chico Buarque volta à música após seis anos com o álbum ‘Caravanas’. Págs. C4 e C5
De volta, enfim Chico canta o amor, o futebol e a realidade carioca em Caravanas, que será lançado na sexta.
Chico Buarque, seis anos depois, volta à música de fato. E o faz como pén aporta, sem cerimônias, ainda que coma cadência que lhe cabe aos 73 anos de idade. Sem se expor demais, o cantor e compositor carioca saiu da toca ecoloca nas prateleiras( reais e virtuais) a partir desta sexta-feira, 25, Caravanas, o 23.º álbum de estúdio. Com ele, morde e assopra. Afaga e sofre de desamor. E pincela subliminarmente uma visão política, enquanto navega por mares tranquilos organizados, por vezes singelamente, por Luiz Claudio Ramos, o diretor e produtor do álbum. Há planos para uma turnê pelo País, mas, até o momento, nada foi confirmado. Chicoéc alor efrio:é Tua Cantiga,
uma canção de amor delicada, e As Caravanas, o beguine, um jazz latinizado dos anos 1930, transmutado em funk. Opostos que se unem, se alinham e costuram, do início ao fim. O retrato de umar tis taque já foiàfr ente de seu tempo, foi ultrapassado por ele e hoje flana, livre, por um espaço no qual sabe oque faz, sem correr riscos. Sem avançar demais. Nem de menos.
Soma-se meia dúzia de anos desde Chico, o álbum, até então último disco do carioca. Rumores para lá, rumores para cá. Ele está gravando um disco?, perguntavam-se todos. Estava, mas tudo foi às escondidas. Desde 2015, pingava, com mala, cuia e banda, para gravar uma ou outra canção. Foi tudo feito a conta-gotas, oposto ao das produções recentes, quando se reunia diariamente para registrar as canções, em uma rotina que dizia ser extenuante. Chico, afinal, não tem mais pressa.
E, no processo de erguer-se do silêncio e exílio musical de qu egos ta–ébo ml embrar–,C hicos e cercou dos seus. Ramos está aseu lado há décadas eoa uxi liana construção das camadas, poucas, responsáveis para dar suporte à voz frágil. Afetivo, ele tem consigo os netos. Moça e moço crescidos, Clara Buarque e Chico Brown, ambos filhos de Carlinhos Brown com Helena Buarque, atuam em Dueto e Massarandupió, respectivamente. No caso do guri, a música é dele, que mandou ao avô algumas composições. A canção (quase não enviou por considerá-la “a mais infantil”) foi a selecionada.
Na parceria com Clara, Chico regravou Dueto, canção originalmente registrada ao lado de Nara Leão, em 1980. Ao ter presença da neta e ao substituir versos de “pravda” e a “vodca” por nomes de redes sociais das novas formas de comunicação – que incluem e-mail, ligações por Skype e por aí vai –, Chico soa como alguém que vive um tempo que não é dele, mas o faz com graça. Diverte-se junto. A ponto de incluir Rafael Mike, do grupo de funk Dream Team do Passinho, para criar o beatbox nos momentos mais acalorados de As Caravanas. Sim, Chico subiu o morro. E colocou o funk para tocar na sua música de protesto.
Construiu Caravanas (e não confunda esse título do disco com a música responsável por encerrar o álbum, de nome As Caravanas) aos pouquinhos, em visitas periódicas ao estúdio da gravadora Biscoito Fino. Seu disco e sua visão para os tempos extremos e divisórios. O Chico, de seus 73 anos, que canta o hoje. O louco século 21 tem um Chico mais lúcido a olhar bem para ele. Frente a frente com o agora, Chico é outro. Aceita o inevitável – o tempo, esse canalha – e ainda se assume a favor da paz em tempos de ódio, comoofazem As Caravanas, a canção mais contestadora, irônica e sagaz do carioca em anos.
Porque, em um disco no qual se canta tanto sobre amor, Chico é sarcástico num discurso usurpado. Sacana, ele se porta
como um burguês carioca a ver as “caravanas”, como ele compara, de ônibus que trazem moradores dos morros e das periferias do Rio às praias da zona sul, como Copacabana, Leblon, etc. É tão ácido que, talvez, haja quem não entenda o discurso. E isso também é interessante para um artista que já provocou a ditadura com versos escancaradamente óbvios, como em músicas como Deus Lhe Pague, ou ainda escondeu suas críticas no jogo de palavras – Cálice é uma aula do início ao fim no quesito. Mostra que Chico, aquele que conhecíamos, ainda está lá, em algum lugar. Nas faixa que encerra o disco, ele deixa essa persona mais contestadora escapar daquele lugar confortável no qual se deita, cujas harmonias podem ser complexas, mas são macias, não pinicam e não causam dores nas costas.
O mundo não exige mais nada de Chico Buarque. Sua discografia está feita e estabelecida. Ainda assim, ele eventualmente coloca a cabeça para fora da toca. E quando o faz, é sempre Chico. Essencialmente Chico.