O Estado de S. Paulo

Caderno2

Chico Buarque volta à música após seis anos com o álbum ‘Caravanas’. Págs. C4 e C5

- / GUILHERME SOBOTA, JOÃO PAULO CARVALHO, JULIO MARIA. PEDRO ANTUNES E RENATO VIEIRA

De volta, enfim Chico canta o amor, o futebol e a realidade carioca em Caravanas, que será lançado na sexta.

Chico Buarque, seis anos depois, volta à música de fato. E o faz como pén aporta, sem cerimônias, ainda que coma cadência que lhe cabe aos 73 anos de idade. Sem se expor demais, o cantor e compositor carioca saiu da toca ecoloca nas prateleira­s( reais e virtuais) a partir desta sexta-feira, 25, Caravanas, o 23.º álbum de estúdio. Com ele, morde e assopra. Afaga e sofre de desamor. E pincela subliminar­mente uma visão política, enquanto navega por mares tranquilos organizado­s, por vezes singelamen­te, por Luiz Claudio Ramos, o diretor e produtor do álbum. Há planos para uma turnê pelo País, mas, até o momento, nada foi confirmado. Chicoéc alor efrio:é Tua Cantiga,

uma canção de amor delicada, e As Caravanas, o beguine, um jazz latinizado dos anos 1930, transmutad­o em funk. Opostos que se unem, se alinham e costuram, do início ao fim. O retrato de umar tis taque já foiàfr ente de seu tempo, foi ultrapassa­do por ele e hoje flana, livre, por um espaço no qual sabe oque faz, sem correr riscos. Sem avançar demais. Nem de menos.

Soma-se meia dúzia de anos desde Chico, o álbum, até então último disco do carioca. Rumores para lá, rumores para cá. Ele está gravando um disco?, perguntava­m-se todos. Estava, mas tudo foi às escondidas. Desde 2015, pingava, com mala, cuia e banda, para gravar uma ou outra canção. Foi tudo feito a conta-gotas, oposto ao das produções recentes, quando se reunia diariament­e para registrar as canções, em uma rotina que dizia ser extenuante. Chico, afinal, não tem mais pressa.

E, no processo de erguer-se do silêncio e exílio musical de qu egos ta–ébo ml embrar–,C hicos e cercou dos seus. Ramos está aseu lado há décadas eoa uxi liana construção das camadas, poucas, responsáve­is para dar suporte à voz frágil. Afetivo, ele tem consigo os netos. Moça e moço crescidos, Clara Buarque e Chico Brown, ambos filhos de Carlinhos Brown com Helena Buarque, atuam em Dueto e Massarandu­pió, respectiva­mente. No caso do guri, a música é dele, que mandou ao avô algumas composiçõe­s. A canção (quase não enviou por considerá-la “a mais infantil”) foi a selecionad­a.

Na parceria com Clara, Chico regravou Dueto, canção originalme­nte registrada ao lado de Nara Leão, em 1980. Ao ter presença da neta e ao substituir versos de “pravda” e a “vodca” por nomes de redes sociais das novas formas de comunicaçã­o – que incluem e-mail, ligações por Skype e por aí vai –, Chico soa como alguém que vive um tempo que não é dele, mas o faz com graça. Diverte-se junto. A ponto de incluir Rafael Mike, do grupo de funk Dream Team do Passinho, para criar o beatbox nos momentos mais acalorados de As Caravanas. Sim, Chico subiu o morro. E colocou o funk para tocar na sua música de protesto.

Construiu Caravanas (e não confunda esse título do disco com a música responsáve­l por encerrar o álbum, de nome As Caravanas) aos pouquinhos, em visitas periódicas ao estúdio da gravadora Biscoito Fino. Seu disco e sua visão para os tempos extremos e divisórios. O Chico, de seus 73 anos, que canta o hoje. O louco século 21 tem um Chico mais lúcido a olhar bem para ele. Frente a frente com o agora, Chico é outro. Aceita o inevitável – o tempo, esse canalha – e ainda se assume a favor da paz em tempos de ódio, comoofazem As Caravanas, a canção mais contestado­ra, irônica e sagaz do carioca em anos.

Porque, em um disco no qual se canta tanto sobre amor, Chico é sarcástico num discurso usurpado. Sacana, ele se porta

como um burguês carioca a ver as “caravanas”, como ele compara, de ônibus que trazem moradores dos morros e das periferias do Rio às praias da zona sul, como Copacabana, Leblon, etc. É tão ácido que, talvez, haja quem não entenda o discurso. E isso também é interessan­te para um artista que já provocou a ditadura com versos escancarad­amente óbvios, como em músicas como Deus Lhe Pague, ou ainda escondeu suas críticas no jogo de palavras – Cálice é uma aula do início ao fim no quesito. Mostra que Chico, aquele que conhecíamo­s, ainda está lá, em algum lugar. Nas faixa que encerra o disco, ele deixa essa persona mais contestado­ra escapar daquele lugar confortáve­l no qual se deita, cujas harmonias podem ser complexas, mas são macias, não pinicam e não causam dores nas costas.

O mundo não exige mais nada de Chico Buarque. Sua discografi­a está feita e estabeleci­da. Ainda assim, ele eventualme­nte coloca a cabeça para fora da toca. E quando o faz, é sempre Chico. Essencialm­ente Chico.

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LEO AVERSA Expectativ­a. Disco chega às lojas físicas e virtuais na sexta, 25
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estadao.com.br/e/chico LEO AVERSA NA WEB Veja vídeos com os bastidores das gravações do novo álbum:
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RODRIGO ASSAD Primeiro ato. Em estúdio, cantando a faixa ‘Tua Cantiga’
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Biscoito Fino; R$ 34
CHICO BUARQUE ‘Caravanas’ Biscoito Fino; R$ 34

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