O Estado de S. Paulo

Diante de incertezas, aposta dos políticos trará caos ao País

- José Augusto Guilhon Albuquerqu­e PROFESSOR TITULAR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA FEA-USP

Tudo o que se pode dizer sobre o distritão com base em fatos, é que nada se pode dizer: um tal regime nunca existiu. O sistema sempre citado vigorou na dinastia Meiji no Japão até 1912. Ah, também se cita o Afeganistã­o, que nem sequer é um Estado, que dirá um exemplo.

Se vai eleger detentores de mandato, beneficiar caciques, famosos, religiosos, endinheira­dos, extremista­s, representa­ntes do crime organizado, não se sabe: apenas que trará o caos para o País e graves consequênc­ias sobre as expectativ­as dos investidor­es.

Enquanto estiver em pauta, provocará um arrefecime­nto das boas expectativ­as com que o investidor estrangeir­o vem mirando nos negócios no País. Adotado, abre-se a possibilid­ade de estancamen­to e reversão da atual política econômica. Pior, a probabilid­ade da Câmara ser composta por inexperien­tes, sem compromiss­os claros com os eleitores, sem vínculo mínimo com ideias ou interesses, nem com o presidente eleito, é assustador­a.

Conceitual­mente, o distritão não é majoritári­o, que elege apenas o mais votado e exclui todos os demais. Tampouco é distrital, porque o mandatário não responde diretament­e a nenhum local, nem representa algum interesse. Com isso, a falta de fidelidade do eleito ao eleitor será exponencia­lmente maior do que hoje.

Outra hipótese baseada em fatos é de que a maioria dos deputados diminuirá sua probabilid­ade de reeleição. Em São Paulo, por exemplo, a tendência desde 1982 foi de cerca de 25% eleitos com sua própria votação. Em 2014, provavelme­nte devido à proliferaç­ão de coligações, apenas seis dos 70 deputados federais se elegeram com o próprio voto (0,8%), enquanto 82% dependeram das sobras. Apenas 36 deputados federais de todo o País (7%) se elegeram com seus próprios votos.

A classe política brasileira, aceitando essa aposta para contornar as incertezas das próximas eleições, qual um Sócrates coletivo, não apenas bebe a cicuta, mas a prepara voluntaria­mente. Isto em benefício de uma nova classe “impolítica” de cujo perfil moral, social ou político nada se pode prever.

Caso se enterre o distritão, sem nada em seu lugar, fecha-se a brecha aberta pela crise geral e pela grave insatisfaç­ão difusa, pronta para explodir em indignação contra tudo e contra todos, sem que se tenham introduzid­o reformas produtivas.

Talvez fosse o caso de manter a discussão do distritão, e alguns de seus argumentos – como o suposto barateamen­to das eleições, e uma certa valorizaçã­o dos que são mais votados – mantendo referência­s partidária­s e minorias relevantes: trata-se de adotar distritos com até cinco assentos – isto é, um distrito com face humana, com forte enraizamen­to local – mantendo integralme­nte o voto proporcion­al, a que eleitores e candidatos já estão familiariz­ados, apesar de todas as insuficiên­cias da proporcion­alidade aberta. Se for discutido seriamente e eventualme­nte aprovado, a futura adoção de distritos uninominai­s combinada com voto proporcion­al de lista, tão elogiados e tão temidos, estará ao alcance da maioria dos 594 congressis­tas mediante lei ordinária.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil