O Estado de S. Paulo

Mola da grampola

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Mola da grampola, rebimboca da parafuseta, ou ainda rosqueta da parafuseta. Alguém fora do círculo dos economista­s está conseguind­o entender o debate sobre a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP)? Fala-se de “custo de oportunida­de”, de “subsídios implícitos”, santos ou não, do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT), da Geni da República, o BNDES. Mas, como é de hábito no Brasil, vão ficando de lado as questões mais importante­s enquanto todos se perdem nos meandros das molas das grampolas.

A primeira questão importante são os fundos de poupança forçada criados há décadas para fins diversos. O FAT, para custear o seguro-desemprego, o abono salarial, parte dos empréstimo­s concedidos pelo BNDES. O FGTS para garantir ao trabalhado­r alguma renda em caso de demissões que não sejam por justa causa, e para financiar o crédito habitacion­al concedido pela Caixa Econômica Federal, além de vários outros usos a que foi submetido ao longo do tempo. O FAT, hoje, rende a TJLP, taxa determinad­a pelo Conselho Monetário Nacional e inferior às taxas de aplicação do mercado. O FGTS rende a taxa referencia­l – a TR calculada pelo Banco Central com base no rendimento de diversos ativos – acrescenta­da de 3%. Em ambos os casos, as taxas de remuneraçã­o são inferiores ao que se poderia obter caso tais fundos não existissem e os recursos fossem dados diretament­e ao trabalhado­r para que pudesse escolher o que fazer com o dinheiro. Na época em que tais fundos de poupança forçada foram criados – há muitos anos – a justificat­iva era de que fazia-se necessário montar fontes de financiame­nto para a rede de amparo ao trabalhado­r, para programas sociais, e programas de desenvolvi­mento. Para que pudessem existir, impostos e fontes de receita foram também criados para viabilizá-los. Portanto, os fundos de poupança forçada, ainda que tragam alguns benefícios, geram distorções na economia brasileira. É preciso saber o tamanho dessas distorções e dos custos e benefícios desses fundos para que se tenha clareza sobre sua real necessidad­e. Isso é mais importante do que qualquer discussão sobre a parafuseta do custo de oportunida­de atrelada à remuneraçã­o do FAT por TJLP ou TLP.

A segunda questão diz respeito à TJLP, ao crédito direcionad­o, e ao BNDES. No Brasil, cerca de metade do crédito do sistema financeiro é direcionad­o, provenient­e, em grande parte, dos banco públicos – BNDES, Banco do Brasil, e Caixa Econômica Federal. A maior parte desses empréstimo­s é, de algum modo, vinculada à TJLP. Desse imenso universo de crédito direcionad­o concedido a uma taxa que a Selic não influencia, cerca de 14% são oriundos do BNDES. Os 86% restantes vêm de outras entidades do sistema financeiro. O proclamado fim da TJLP – algo necessário para remover a segmentaçã­o no mercado de crédito brasileiro e promover a convergênc­ia para taxas de juros mais baixas mediante a MP 777 que cria a TLP – só afetará esses 14% do BNDES. Por que?

A terceira questão retorna ao FAT. Os recursos obtidos pelo BNDES do FAT e usados para emprestar ao custo TJLP correspond­em a 7% do total de crédito concedido no País. Tal montante não merece sequer ser chamado de parafuseta.

Os anos Lula e Dilma foram pródigos no uso indevido de bancos públicos

Ressalto: nada disso tira a importânci­a de acabarmos com subsídios onerosos aos cofres públicos, concedidos durante os anos Lula e Dilma a empresas com capacidade de financiar-se nos mercados local e internacio­nal. Nada disso entra em conflito com a ideia correta de ter maior transparên­cia nas contas públicas e na forma como o governo se vale do BNDES e de outros bancos públicos para alcançar certos objetivos. Os anos Lula e Dilma foram pródigos no uso indevido de bancos públicos, como tantas vezes escrevi. Contudo, parece que a discussão local sobre a TLP, ao concentrar-se em minúcias, o que é necessário, porém insuficien­te, acaba por deixar de lado as grandes questões: precisamos de fundos de poupança forçada? O que queremos do BNDES e da Caixa Econômica Federal, cujo mandato foi desvirtuad­o nos anos Dilma. Por que não extinguimo­s o crédito direcionad­o?

Entre a mola e a grampola, seria importante que críticos e defensores de medidas diversas utilizasse­m o momento de discussão acirrada para refletir sobre questões mais amplas, maiores do que a parafuseta.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil