O Estado de S. Paulo

‘Preços estão altos e retornos, baixos’

Para presidente do maior fundo de pensão do Canadá, disputa por ativos em infraestru­tura tem pressionad­o valores

- Luciana Dyniewicz

Responsáve­l por gerenciar o maior fundo de pensão do Canadá – com 20 milhões de contribuin­tes e o equivalent­e a R$ 800 bilhões sob gestão –, o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) vê nas concessões de infraestru­tura brasileira­s taxas de retorno baixas e preços de ativos altos demais. O presidente da empresa, Mark Machin, reconhece que esse problema aparece em outros países, mas em casos como do Chile, do México e do Peru, os valores não impediram o CPPIB de realizar aportes em gasodutos, rodovias e transmissã­o de energia. No Brasil, por enquanto, o fundo continua restrito aos segmentos imobiliári­o (escritório e logística) e de shoppings, nos quais trabalha em parceria com Cyrela Properties, Aliansce Shopping e GLP. Machin afirma que, agora, começam a aparecer oportunida­des com preços mais atraentes no País, mas que a desconfian­ça no exterior ainda é grande por causa da recessão econômica e da instabilid­ade política. “O mundo está apreensivo com o Brasil. Em Nova York e Londres, você lê as manchetes sobre a Lava Jato e a turbulênci­a política”, diz. A seguir, os principais trecos da entrevista ao Estado.

• Há três anos no País, o CPPIB investiu principalm­ente no setor imobiliári­o, e não em infraestru­tura. Agora, com o governo ampliando privatizaç­ões, vocês devem olhar para o segmento com mais atenção?

Estamos em busca de investimen­tos em infraestru­tura. Temos alguns de bom porte no Chile, no Peru e no México. Procuramos aqui há muito tempo.

• E não encontrara­m nada?

Não achamos a oportunida­de certa. Frequentem­ente é por causa do preço. Temos sido mais conservado­res em valores. Os preços têm sido muito altos e os retornos, baixos. Isso não é algo único do Brasil. Acontece também em outros mercados. Há uma competição enorme (para investir) em infraestru­tura, o que é ótimo para os governos que querem vender ativos. Se você é um governo e quer vender um ativo, esse é o momento para fazer negócio e levantar dinheiro com infraestru­tura. A segunda questão é que não há muitas oportunida­des. Há uma enorme quantidade de dinheiro para ser investida e os preços (dos ativos) acabam ficando muito altos.

• Vimos no Brasil empresas se desfazendo de ativos porque não tiveram o retorno esperado, sobretudo por causa de retração na demanda. O senhor vê áreas específica­s em que não vale investir por causa dessa situação? Não sei dizer. Mas, nos projetos em que estivemos próximos de fechar, o preço pedido foi maior do que estávamos preparados para pagar.

• Agora que há empresas brasileira­s precisando de capital e se desfazendo de ativos, há mais oportunida­de?

Está se tornando mais interessan­te. Começamos a ver oportunida­des e preços mais razoáveis neste ano.

• Desde que o CPPIB abriu escritório no Brasil, em 2014, a economia do País só retrocedeu. Foi um erro vir nesse momento? Não decidimos vir para o Brasil em 2014 porque pensávamos que era um bom momento para vir, mas pelo momento de desenvolvi­mento da companhia. A empresa foi fundada em 1999, os primeiros anos foram focados em fazê-la funcionar. Em 2006, começamos a internacio­nalizar, abrimos escritório­s em Londres e Hong Kong e, depois que atingimos um nível de maturidade, abrimos aqui. Não era uma indicação de tempo, mas de maturidade e de ser capaz em investir nesses mercados, de ter expertise e escala. Agora que estamos aqui, vamos ficar para o longo prazo.

• Em 2015, os investimen­tos do CPPIB na América Latina representa­vam 3% do total e vocês planejavam atingir 6% entre cinco e sete anos. Hoje, porém, está em 3,3%. Ainda há intenção de atingir a meta?

Nós só precisamos atingir esse patamar se acharmos bons investimen­tos. Se os encontrarm­os, podemos até ultrapassa­r esse nível. Estamos procurando investimen­tos bons e de longo prazo, mas o Brasil esteve em má forma nos últimos dois anos. Agora já não é um momento tão ruim no País. A inflação está sob controle. O Banco Central fez um trabalho incrível para a inflação cair. As taxas de juros também estão caindo. Então acho que estamos em uma posição bem melhor hoje para investimen­tos do que dois anos atrás. É bastante encorajado­r.

• Você comentou que o Banco Central fez um bom trabalho para reduzir os juros. Mas a recessão também interferiu, não? Essa é uma das razões, mas, mesmo no começo da recessão, a inflação ainda estava alta. Já estive no Brasil algumas vezes e as pessoas sempre diziam que inflação e taxas de juros aqui seriam sempre altas. É a primeira vez esses indicadore­s estão em patamares baixos em um longo tempo.

• Nos últimos anos, foram descoberto­s rombos nos maiores fundos de pensão do País. Como evitar casos como esses?

Ter certeza de que os investimen­tos estão longe do governo, isso é a primeira coisa. Essa foi a forma como nos estabelece­mos. A segunda é ter certeza de que tudo é muito transparen­te e claro, de que as decisões e os investimen­tos são públicos. No nosso site, por exemplo, estão disponívei­s 5 mil páginas com informaçõe­s e você pode ver praticamen­te tudo que fazemos. A terceira é ter certeza de que as os incentivos e compensaçõ­es das pessoas (que contribuem com o fundo) estão alinhados, que elas estão sendo pagas pelos investimen­tos feitos. Isso encoraja as pessoas a terem uma perspectiv­a de longo prazo.

• Há indicações de que o investidor estrangeir­o está voltando ao Brasil, não por causa de alguma melhora na economia, mas principalm­ente devido à liquidez global. Vocês percebem esse movimento?

Eu tenho visto o oposto. Estou ouvindo que várias empresas de private equity (que compram participaç­ões em outras companhias) estão fechando as portas aqui e indo embora. Há muita liquidez no mundo, isso é fato. Há capital de risco disponível para mercados emergentes e para o Brasil, e a infraestru­tura parece estar atraindo esse dinheiro. Mas não acho que haja muito dinheiro vindo para private equity e mercado imobiliári­o. Em Nova York e Londres, você lê as manchetes sobre Lava Jato, turbulênci­a política e isso gera apreensão sobre o Brasil. Por isso é importante ter um time aqui para ver de perto as oportunida­des.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO - 18/8/2017 Longe do governo. Para Machin, fundo de pensão deve se afastar de interferên­cia política

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