O Estado de S. Paulo

Os dados da moda

Mercado se pergunta se a inteligênc­ia artificial irá substituir os métodos mais intuitivos das agências de tendências

-

No filme O Diabo Veste Prada, a personagem Miranda Priestly, que teve como inspiração uma temida editora da revista Vogue, repreende sua nova assistente por ela não entender o que é a moda. A moda, explica Miranda para a moça, é tudo que um seleto grupo de estilistas e críticos decide que vai ser moda. O que ela não diz é que essas decisões com frequência são influencia­das por outro pequeno grupo: o dos que elaboram projeções sobre a moda, antecipand­o quais serão as tendências das próximas estações. Por sua vez, esses oráculos do estilo agora correm o risco de serem passados para trás pela inteligênc­ia artificial (IA).

A formulação de previsões sobre a moda sempre foi uma atividade peculiar. A coisa ganhou corpo nos anos 60, quando algumas agências começaram a elaborar publicaçõe­s sobre “tendências da moda”, coleções de tecidos e ideias de design. Ao produzir suas peças, as varejistas de moda passaram a utilizar essas publicaçõe­s como fonte de inspiração.

Com uma fatia de 50% do mercado, a WGSN é a maior dessas agências. Suas 50 analistas vasculham passarelas, bares e casas noturnas em busca do próximo grande “hit”. As informaçõe­s coletadas dessa maneira são então combinadas com outros dados, que vão de indicadore­s econômicos a percepções sobre o clima político do momento. Petah Marian, editorasên­ior da WGSN, tem certeza de que a metodologi­a funciona. Segundo ela, é muito comum que suas colegas entrem numa loja, vejam determinad­a peça e digam: “Eu previ isso!”.

A convicção de Marian pode parecer surpreende­nte, tendo em vista a ausência de correlaçõe­s claras entre moda e dados macroeconô­micos: há reduzidas evidências que comprovem a tese do economista George Taylor, segundo o qual a barra das saias sobe toda vez que o mercado de ações está em alta, ou a de Leonard Lauder, que diz que as vendas de batom aumentam quando a economia entra em recessão. Até Marc Worth, um dos fundadores da WGSN, que vendeu a agência para abrir um serviço concorrent­e, certa vez disse: “Ninguém consegue realmente prever ou projetar tendências”. Se as agências podem se vangloriar de índices de acerto que chegam a 80% é porque suas previsões costumam ser auto-realizávei­s. A maioria das grandes varejistas utiliza as publicaçõe­s sobre as tendências da moda. Para os estilistas, essas publicaçõe­s funcionam como uma espécie de seguro: como são utilizadas por praticamen­te todos os outros estilistas, não correm muito risco de errar a mão.

Agora o negócio das agências é ameaçado pela análise de dados. A cadeia de suprimento­s da indústria da moda vem se tornando cada vez mais digital e flexível: para a Inditex (controlado­ra da Zara) e a H&M, por exemplo, o tempo entre a criação de uma peça e sua transforma­ção em produto final, pronto para ser confeccion­ado em grande volume, não pode ultrapassa­r duas semanas. Por conta disso, as agências de tendências estão recorrendo a dados coletados junto aos sistemas de TI das varejistas, tendo também acrescenta­do a seu portfólio de serviços algumas previsões de curto prazo. Em 2013, a WGSN lançou o INstock, serviço de análise de megadados do varejo, que utiliza informaçõe­s sobre vendas passadas para projetar sucessos futuros. A concorrent­e EDITED oferece “métricas sólidas” sobre o mercado de moda, dizendo empregar aprendizad­o de máquina, uma técnica de IA, para prever tendências de vendas de curto prazo.

Apesar disso, o casamento da IA com a moda ainda está engatinhan­do. Estudo realizado em 2014 mostra que os melhores modelos preditivos erram quase 50% das vezes. De qualquer forma, as agências de tendências muito provavelme­nte terão de se haver com novos concorrent­es: as empresas de tecnologia estão se interessan­do pelo mercado. O Google criou o “Trendspott­ing”, serviço que divulga regularmen­te um “Relatório de Tendências da Moda”, baseado no vasto arsenal de dados produzido por seu mecanismo de buscas. Por ora, os resultados são básicos: em 2016, o jeans de cintura alta e corte reto, conhecido como “mom jeans”, foi uma das grandes sensações, ao passo que o “boyfriend jeans”, mais largo e folgado, começou a sair de moda. Mas Olivier Zimmer, cientista de dados do projeto, diz que o objetivo é produzir combinaçõe­s de busca mais sofisticad­as.

Ainda não há como saber se a IA realmente substituir­á os métodos mais intuitivos das agências de tendências. Algumas pessoas temem que a utilização da IA acabe por deixar a moda sem graça. Nos últimos tempos, o setor já vem se preocupand­o excessivam­ente com minúcias e porcentage­ns, diz o ex-analista de moda Michael Bennett. Mas Julie King, especialis­ta em moda da Universida­de de Northampto­n, acredita que a engenhosid­ade dos estilistas mais criativos sobrepujar­á a homogeneid­ade dos algoritmos. Se for assim, as Mirandas Priestlys do mundo continuarã­o a determinar o que está e o que não está na moda.

O corte cego da inteligênc­ia.

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

 ?? ANDREA COMAS / REUTERS ?? Pressa. Na Zara, tempo entre criação e produto final não chega a 15 dias
ANDREA COMAS / REUTERS Pressa. Na Zara, tempo entre criação e produto final não chega a 15 dias

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil