O Estado de S. Paulo

Roubo eleva preço do frete em 35% no Rio e empresas fecham

Criminalid­ade. Ocorrência­s de roubo de carga no Rio de Janeiro aumentaram 25% no primeiro semestre, afetando custos de logística, vendas da indústria e do comércio; 40 transporta­doras faliram nos últimos meses e já há risco de desabastec­imento

- Márcia De Chiara / SÃO PAULO Daniela Amorim / RIO

O roubo de cargas no Rio avançou quase 25% no primeiro semestre e cerca de 40 empresas do setor no Estado faliram nos últimos meses. Em um ano, os gastos com transporte de mercadoria­s subiram entre 30% e 35%, segundo o Sindicarga. Alguns produtos estão mais caros por causa do aumento do frete, informam Márcia De Chiara e Daniela Amorim. Hoje, o Estado tem mais de um caminhão roubado por hora. O comércio eletrônico perde negócios e lojas restringem entregas em determinad­as regiões.

Entregas em áreas de risco • “É o CEP do inferno” Venancio Alves de Moura DIRETOR DE SEGURANÇA DO SINDICATO DAS EMPRESAS DE CARGA E LOGÍSTICA DO RIO

Depois de 14 anos transporta­ndo bebidas no Estado do Rio, o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos fechou as portas da sua empresa em janeiro. “Quebrei por causa de tanto roubo”, diz. Ele chegou a ter as cargas de dois caminhões roubadas em um mesmo dia. Com tantos assaltos, a seguradora cancelou o contrato e o empresário, dono da maior transporta­dora de bebidas do Estado, calcula ter desembolsa­do R$ 1 milhão para ressarcir os clientes.

Assim como Santos, que fechou a transporta­dora, cerca de 40 empresas de médio e pequeno portes que atuavam no Rio de Janeiro faliram nos últimos meses, segundo o Sindicato das Empresas de Carga e Logística do Rio (Sindicarga). Essa estatístic­a está diretament­e ligada a outra: o número de roubos de cargas no Rio avançou quase 25% no primeiro semestre na comparação com o mesmo período de 2016, de acordo com o Instituto de Segurança Pública.

Hoje, o Estado tem mais de um caminhão roubado por hora. Em maio, quando as ocorrência­s atingiram seu ápice, foram, em média, 40 caminhões por dia, segundo dados exclusivos da Federação das Indústrias do Rio (Firjan). “Esses números gritam, é um absurdo”, diz Sérgio Duarte, vice-presidente da entidade. “Existe um mercado por trás disso.”

Os roubos de carga afetam os custos de logística e as vendas da indústria e do comércio. Em 12 meses, os gastos com transporte de mercadoria­s para o Rio subiram entre 30% e 35%, nos cálculos do Sindicarga. Fabricante­s de eletroelet­rônicos, alimentos e redes varejistas, que preferiram conceder entrevista­s sem se identifica­r, afirmam que estão com dificuldad­e de contratar frete para abastecer o Rio de Janeiro. “Tem empresa que já não quer mais mandar carga para o Rio”, diz Duarte, da Firjan. “Estamos correndo um sério risco de desabastec­imento, especialme­nte dos produtos mais roubados.”

Na lista dos preferidos dos bandidos estão frango, carne bovina e queijos – itens fáceis de revender. “Está uma loucura conseguir frango, por exemplo. Os supermerca­dos compram, mas não recebem”, diz o presidente da Associação dos Supermerca­dos do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fabio Queiroz. Um levantamen­to da entidade mostra que algumas mercadoria­s chegam ao Estado com preços até 20% mais altos do que no restante do País como consequênc­ia do repasse dos custos de transporte.

A BRF, gigante do setor de frangos e comida congelada, contratou uma empresa de gerenciame­nto de risco para revisar as rotas e os horários de circulação dos caminhões no Rio. Em áreas de risco, eles trafegam em comboios de quatro a cinco veículos e usam escolta.

Nem caminhões carregados de ovos escapam das quadrilhas especializ­adas em roubo de carga. “Essas mercadoria­s voltam para as ruas em Kombis, que vendem a cartela com cinco dúzias a R$ 10. A cada caminhão roubado, são mil caixas de ovos que entram nas ruas por preços que não podemos concorrer”, diz o atacadista José Andrade, proprietár­io de uma distribuid­ora de ovos na zona norte do Rio.

Os fornecedor­es do atacadista, a maioria produtores de São Paulo, ameaçam suspender as entregas a cada ocorrência. “Os bandidos levam para a comunidade, distribuem a carga entre oito ou dez Kombis e posicionam uma em cada saída do morro”, conta. “O morador nem desce mais para o asfalto para comprar.”

Taxa de violência. Por causa do número crescente de roubos e para arcar com custos extras de mão de obra, as transporta­doras criaram uma taxa de emergência, apelidada de “taxa de violência”. Ela pode chegar a até 1% do valor da carga na nota fiscal, acrescido de R$ 10 para cada 100 kg transporta­dos. “O problema é que o motorista também não quer vir para o Rio”, diz Moura, do Sindicarga.

Além dessa despesa adicional, os gastos das transporta­doras cresceram por conta da maiores exigências das seguradora­s. Quando aceitam fazer seguro das mercadoria­s para o Rio, exigem serviços de monitorame­nto da carga, de gerenciame­nto para criar rotas mais seguras e até o uso de iscas descartáve­is – dispositiv­os que permitem rastrear a carga roubada.

Eduardo Michelin, diretor de Transporte­s da corretora Willis Towers Watson, conta que recentemen­te consultou 14 seguradora­s para fechar um seguro de uma carga de produtos de higiene e limpeza para o Rio e apenas três companhias se interessar­am pelo negócio. Nas contas de Fernando Ferreira, presidente da corretora de seguros Vessel, o preço da operação de seguro de carga para o Rio mais que dobrou no último ano. “Há até conversas entre as seguradora­s para excluir o Rio das apólices de seguros”, disse.

Embora os índices de roubo de carga permaneçam altos, a operação conjunta entre Forças Armadas e agentes de Segurança do Rio parece já ter levado a uma redução no número de ocorrência­s no Estado. Em junho, foram registrado­s, em média, 33 casos por dia. Em julho, ainda houve pelo menos 26 roubos a caminhões por dia.

Os números, no entanto, estão longe de encorajar o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos a atuar novamente no Rio. Depois de fechar a transporta­dora de bebidas, ele opera hoje, da capital fluminense, uma frota de 12 caminhões, que leva café de Varginha (MG) para o Porto de Santos (SP). Sem passar pelo Rio.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Caminhão blindado. Como num carro-forte, empresa coloca seguranças armados na cabine quando transporta eletroelet­rônicos, medicament­os e cigarros
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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Vítima. Santos fechou as portas de uma das maiores transporta­doras de bebidas do Rio por causa do roubo de carga
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